Volatilidade Faz Drama. Risco Faz Despejo. (ou: Enquanto a Volatilidade Dança, o Risco Morde... Nhac!)
Não sei você, mas eu desenvolvi um talento especial para desconfiar de gente muito segura de si. Principalmente quando ela segura uma planilha na mão e diz com aquele tom de guru financeiro pós-graduado em Harvard e Ilusões: “O risco está controlado.” Meu bem, se o risco está controlado, é porque ele ainda não teve tempo de levantar da cama, tomar café e colocar a gravata.
Se tem uma coisa que aprendi depois que a vida me apagou a luz — literalmente, aos 44 anos — foi que o que mais nos ameaça raramente vem do que oscila, mas sim do que se esconde. E risco, esse danado, não é o que pula na tela com o gráfico vermelho, mas o que cochicha na sua carteira enquanto você dorme achando que tudo está sob controle.
O risco não grita. Ele sussurra — e geralmente em códigos contábeis.
De tempos em tempos, os financistas resolvem reinventar a roda e nos presentear com definições novas, fresquinhas, com cheiro de Excel limpo, sobre o que é risco. Ultimamente, resolveram misturar risco com volatilidade, como se estresse emocional diante do sobe e desce dos preços fosse uma métrica confiável. É como medir o risco de um casamento pela frequência das discussões e não pelo número de senhas bancárias compartilhadas com terceiros.
Vamos ser diretos: risco, de verdade, é aquilo que pode dar muito errado. Não é o susto com a oscilação da bolsa; é a surpresa desagradável de descobrir que seu investimento era um castelo de areia financiado por dívida. É a empresa que parece sólida até o dia em que o credor bate à porta — ou entra pela janela com uma decisão judicial na mão e uma cara de poucos amigos.
Volatilidade é o teatro. Risco é o incêndio nos bastidores.
Senhor Mercado: o sócio bipolar que te oferece preços, café e talvez uma rasteira
Um clássico da literatura financeira nos apresenta o “Senhor Mercado” como um sócio maníaco-depressivo que todo dia te oferece um preço novo pelas suas ações. Ora generoso como um tio rico no Natal; ora mesquinho como contador em fim de expediente.
Ele não está nem aí pra você. Ele acorda num humor diferente todos os dias, e o problema não é ele ser instável — o problema é você achar que precisa responder a cada mensagem que ele manda.
A maioria dos investidores age como se tivesse um relacionamento tóxico com o mercado: não consegue ignorar, responde tudo no impulso, e termina o dia se perguntando “onde foi que eu me perdi?”. Spoiler: você se perdeu no exato momento em que confundiu preço com valor, e humor do mercado com a saúde do seu investimento.
Se o Senhor Mercado estiver surtando, aproveite. Mas não se case com ele. E nunca, jamais, compartilhe seu plano de aposentadoria com alguém que muda de ideia a cada abrir e fechar de pregão.
O risco que anda de terno: dívida, setor ruim e promessas de salvação
Quer saber onde mora o risco de verdade? Nas entrelinhas do balanço patrimonial. Nos setores que exigem bilhões para produzir tostões. Naquelas empresas que parecem estar sempre a um trimestre da virada — e já estão dizendo isso há seis anos.
Se o seu investimento depende de “um ciclo favorável das commodities” ou de um “projeto bilionário que será pago em quinze anos”, pode anotar: o risco já se instalou, abriu uma cerveja e está fazendo carinho no seu dividendo futuro.
Empresas alavancadas, setores que parecem novela mexicana e negócios onde o menor erro leva ao colapso total são o equivalente corporativo de você entrar num elevador que range. Pode até dar certo. Mas se der errado, a queda é longa e sem aviso.
E por falar em setores de risco... Não há hedge contra a teimosia do investidor que acha que preço baixo é sinal de oportunidade. Tem gente que compra ação como quem compra brigadeiro de bairro: “Ah, tá baratinho!”. A diferença é que o brigadeiro, se for ruim, no máximo te dá azia. Já o investimento barato pode dar prejuízo, processos e um curso gratuito de terapia financeira.
O risco de pagar caro demais pelo seu próprio otimismo
Existe uma versão muito discreta do risco que ninguém gosta de admitir: o risco de pagar caro demais por um negócio bom. É o famoso “comprei a melhor empresa do setor” — só que por um valor que faria o próprio fundador repensar o conceito de otimismo.
Não é porque algo é bom que você precisa comprar. E não é porque comprou que precisa torcer para estar certo. O mercado tem uma maneira elegante de punir os empolgados: ele os ignora por anos, até que eles vendem no fundo, e então começa a subir.
Esse tipo de risco não derruba de uma vez. Ele vai corroendo sua paciência, minando sua autoconfiança e testando sua autoestima. É como um relacionamento que era lindo no começo, mas agora só traz boletos, DRs e PowerPoints de esperança.
O risco de você mesmo
Mas se existe um risco verdadeiramente democrático, ele atende pelo nome de “investidor”. Não importa a estratégia, o mercado ou o momento: se o investidor não conhece a si mesmo, qualquer plano vira devaneio.
Tem gente que escolhe ações como quem escolhe crush no aplicativo: pela aparência. Acha que sabe o que quer, mas não aguenta esperar o tempo necessário pra ver se aquilo ali vai amadurecer. Resultado? Pula fora no primeiro susto. Vende no pânico. Compra na euforia. E termina reclamando que a bolsa é cassino. Meu bem, cassino é o seu comportamento, não a bolsa.
Investidor que dorme mal porque o mercado caiu não precisa de uma nova ação na carteira — precisa de um travesseiro melhor e talvez de um terapeuta com pós em finanças comportamentais.
O mercado não é seu guru — e você não é a exceção que entende tudo
Há um culto silencioso — mas muito rentável — em torno da ideia de que o investidor pode sempre vencer o mercado. Spoiler: ele não pode. E quando consegue, geralmente é por um período curto, seguido de uma lição longa e cara.
O mercado não é burro. É só movido por gente apressada, desinformada, gananciosa e... bem, humana. Às vezes ele erra. E é aí que mora a oportunidade. Mas atenção: o erro do mercado não é a sua genialidade. É apenas uma janela que se abre e fecha com a mesma velocidade do aplicativo de banco em dia de bug.
O bom investidor não é o que prevê o futuro. É o que sobrevive ao presente sem precisar vender o sofá para pagar o stop loss.
Epílogo de quem perdeu a visão e ganhou lucidez
Quando perdi a visão, me disseram que eu teria que “ver o mundo de outra maneira”. E, olha, eu vi. Vi que o que assusta não são as sombras, mas as certezas mal colocadas. Vi que os piores riscos não aparecem no gráfico, mas na teimosia com que a gente se agarra a uma ilusão de controle.
Hoje, eu olho — sem olhos — para o mercado e sorrio quando ele surta. Não porque sou fria, mas porque entendi que volatilidade é oportunidade com roupa de escândalo. Já o risco... Ah, o risco é aquele senhor bem vestido, que senta no canto da sala e só fala quando você já assinou o contrato.
Aprendi a tratá-lo com respeito, mas sem medo. E o mais importante: aprendi que o mercado é um palco, mas o roteiro é meu.
Se você ainda está esperando o momento perfeito pra investir, talvez o verdadeiro risco esteja aí: em adiar o inevitável esperando por uma certeza que o mercado nunca vai te dar.
E sabe de uma coisa? Ainda bem.
— Ho-kei Dube
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