O Investidor Não Compra Dados — Compra Histórias (e Clichês Bem Embalados)
Quem leu meus primeiros posts já sabe: não sou economista, não sou contadora, não sou influenciadora. Também não sou uma iludida. E talvez, exatamente por isso, falo de finanças com mais lucidez do que muitos dos que se apresentam com os tais “certificados oficiais” pendurados na parede e o ego engomado com selos dourados de LinkedIn.
O tema de hoje? Aquela velha farsa elegante — a crença de que tomamos decisões financeiras com base em informações objetivas, técnicas, racionais.
Pois bem. Prepare seu café, ajeite sua poltrona e, se tiver algum produto financeiro recém-adquirido na carteira, sugiro deixá-lo do outro lado da sala — vai que este texto cause náuseas e você se sinta tentado a resgatá-lo só pelo impulso.
Vamos lá:
O investidor quer dados… mas compra narrativa
A venda de investimentos, meus caros, não é sobre dados. Nunca foi. É sobre como esses dados são apresentados, ou melhor: como são encenados.
As planilhas, as tabelas, os gráficos de pizza e aquelas linhas ascendentes que mais parecem a curva do seu colesterol depois do Natal são só adereços. O que realmente importa é o que eu chamo carinhosamente de "efeito moldura" — ou, para os íntimos, o frame.
É ele que transforma um produto medíocre num “investimento campeão”, e uma volatilidade descontrolada num “pequeno preço a pagar pela liberdade financeira”.
Quem nunca ouviu essa? “Olhe o potencial!”, dizem, enquanto escondem o buraco negro de riscos do outro lado da moeda.
Seleção ou rejeição? A armadilha é a mesma, só muda a luz
Não precisamos de exemplos técnicos nem de complicadas equações matemáticas para entender: basta mudar o contexto e a sua escolha muda também.
Quando você está diante de um produto financeiro apresentado como uma oportunidade para ganhar mais, sua atenção se volta para os atributos positivos: o retorno, a rentabilidade histórica, os cases de sucesso.
Mas se o mesmo produto for apresentado como algo que você deve avaliar para cortar da sua carteira, ah… a sua percepção muda como quem troca de roupa: passa a focar no risco, nas perdas passadas, nas falhas ocultadas até então.
De um lado, somos caçadores de ganhos; do outro, protetores neuróticos do nosso ego financeiro.
E não se engane: isso não acontece só com você. Acontece comigo, acontece com qualquer um. Não somos máquinas frias. Somos criaturas emocionais que fingem racionalidade para não se desesperarem com a própria ignorância.
Aversão à perda: a rainha-mãe do autoengano financeiro
Sim, essa é uma das minhas favoritas: a aversão à perda.
Pesquisas comportamentais mostram que o desconforto causado por uma perda é aproximadamente duas vezes mais intenso do que o prazer de um ganho equivalente.
Ou seja, se você ganha R$ 100, comemora.
Se perde R$ 100, entra em colapso existencial, revê suas decisões desde o ensino médio e jura nunca mais confiar em ninguém — nem mesmo na sua própria sombra.
Esse pavor da perda nos faz evitar decisões que, racionalmente, seriam melhores a longo prazo, mas que, no curto prazo, nos tirariam daquela zona de conforto emocional que tanto valorizamos.
O investidor, coitado, não quer escolher o melhor produto — quer evitar o arrependimento.
A publicidade do investimento: uma coreografia de sedução
E é aqui que entra o papel da apresentação: a maneira como as informações são entregues é a verdadeira vedete do espetáculo.
Não é à toa que vemos promessas de rendimentos elevados, gráficos cheios de curvas sensuais, retornos passados emoldurados com fontes elegantes e um ar de segurança que faria inveja a qualquer CEO de startup.
Do outro lado, a parte menos glamourosa — a volatilidade, os riscos, as perdas históricas — é jogada para debaixo do tapete, ou, na melhor das hipóteses, escondida naqueles asteriscos que ninguém lê.
Você já percebeu que raramente mostram gráficos que cruzam diferentes benchmarks?
Por exemplo, quem vende fundos de ações muitas vezes os compara com o CDI em momentos em que a bolsa está forte, fazendo parecer que qualquer leigo que não entre está, literalmente, queimando dinheiro no quintal.
Mas, curiosamente, quando o mercado desaba, somem as comparações, evaporam as apresentações e resta apenas o silêncio, ou pior: a retórica vazia do “investimento é para o longo prazo”.
Ah, o longo prazo… esse abismo confortável onde todos os erros presentes são jogados para não incomodar o marketing do presente.
O cérebro quer ranking, mas se contenta com impressões
O processo racional ideal seria:
-
Identificar critérios objetivos;
-
Atribuir pesos para cada critério;
-
Fazer uma avaliação ponderada;
-
Escolher.
Mas quem, sinceramente, faz isso?
Ninguém.
O que fazemos? Criamos impressões:
“Esse aqui parece melhor.”
Ou, mais honestamente:
“Esse me parece menos assustador.”
E, assim, nosso cérebro econômico se guia menos por análises complexas e mais por julgamentos rápidos, enviesados, e — por que não? — esteticamente induzidos.
Não escolhemos o melhor fundo. Escolhemos o mais simpático.
Não escolhemos a carteira mais eficiente. Escolhemos a que tem o gráfico que mais nos acaricia o ego.
O problema não está na escolha, mas no teatro que a precede
Geralmente se imagina que o erro do investidor está no momento da escolha.
Ledo engano.
O erro já foi plantado antes — no modo como as opções foram apresentadas.
Não importa que os dados sejam verdadeiros. O que importa é como foram organizados, iluminados, maquiados.
É como escolher um apartamento olhando só as fotos do anúncio. Ninguém posta a infiltração na parede nem a vista para o muro do vizinho.
No mercado financeiro, a infiltração é a volatilidade — e o muro, o risco que você não vê até bater de frente.
A publicidade financeira: vendendo o que você quer, não o que precisa
O marketing financeiro sabe muito bem que o investidor médio quer ser convencido, não informado.
Quer ser embalado numa narrativa de prosperidade, quer se sentir inteligente por ter escolhido aquele fundo que “rendeu 200% em 12 meses”, mesmo que o próximo ano seja de -50% e você vá chorar sozinho olhando o home broker às 3 da manhã.
Quer status, quer a ilusão de domínio, quer a pose de quem sabe o que está fazendo — mesmo quando, na prática, não faz ideia.
E o mercado, gentil como sempre, entrega exatamente isso: a fantasia de controle disfarçada de recomendação técnica.
Desconfie do que vem bem embalado demais
Então, meu caro leitor, minha cara leitora: da próxima vez que alguém lhe apresentar um produto financeiro com gráficos exuberantes e frases de efeito do tipo “esta é a oportunidade que você esperava”, respire fundo, feche os olhos — como eu faço há anos — e pense:
“O que não estão me mostrando?”
Lembre-se: o seu dinheiro pode até ser cego, mas quem não pode ser cego é você.
A pergunta não é se os dados são verdadeiros, mas como estão sendo usados para moldar sua decisão.
Porque, no fim, o investidor não compra uma planilha — compra uma história, uma promessa, um desejo.
E toda promessa é, por definição, mais sedutora do que a realidade.
Conclusão: quando o investimento é só mais um conto da carochinha
Não estou aqui para dizer que você não deve investir. Longe de mim.
Estou aqui para dizer que você deve desconfiar — sempre.
Da embalagem, do tom de voz do vendedor, da música ambiente que toca no vídeo, do gráfico que só começa em 2020 para parecer espetacular.
A ilusão financeira é o espetáculo mais antigo do mundo.
E, como boa espectadora crítica que sou, fico aqui, na minha poltrona, cega, mas vendo tudo — enquanto muitos seguem aplaudindo de pé, emocionados, os vendedores de ilusões que chamam de especialistas.
E eu? Eu sigo zerada e no controle.
Como sempre.
— Ho-kei Dube
A D O R E I
ResponderExcluir