O Mercado Está Nu (e Alugando a Roupa)
Imagine um baile elegante. Todos os convivas em seus trajes mais refinados, taças erguidas, discursos inflamados sobre liberdade financeira, renda passiva e o caminho da prosperidade. Tudo parece impecável, até que uma senhora cega se aproxima do centro do salão, tateia o ambiente e solta, sem rodeios: — O mercado está nu. E a fantasia de muitos foi alugada.
Pois é, meu bem. No salão lustroso da B3, muita gente anda dançando de salto alto num chão que escorrega mais que discurso de gestor em call de resultado. Vamos conversar sobre o glamouroso, mas escorregadio, universo do aluguel de ações. Sim, essa prática que faz os olhos brilharem de ganância e os bolsos tremelicarem de medo.
De um lado, temos o investidor raiz que oferece suas ações para aluguel, buscando aquele extra no fim do mês — uma renda complementar que, se bem gerida, ajuda a adoçar os amargos da volatilidade. De outro, o tomador, que se embriaga na esperança de que o mercado caia e lhe presenteie com um lucro rápido. Uma espécie de apostador sofisticado que, no fundo, torce contra.
É um bailado curioso. O doador entrega sua fantasia esperando que ela volte ilesa e talvez até perfumada. O tomador, por sua vez, reza para que o traje rasgue em cena — quanto mais vergonhoso o tombo da ação, melhor para sua carteira.
E o palco principal dessa tragicomédia? A B3, com sua Central Depositária, a CBLC, que atua como mãe de baile: registrando, compensando, apitando quando a música para. Parece seguro. Parece sofisticado. Parece que todo mundo sabe o que está fazendo.
Mas vamos às entrelinhas, onde mora o veneno.
Há papéis no topo do ranking de taxas de aluguel com cifras escandalosas e retorno negativo no ano. Em outras palavras, são os queridinhos dos que desejam que o mundo acabe em promoção relâmpago. Os tomadores estão ganhando com a derrocada, enquanto os doadores talvez ainda estejam embalando sonhos em carnê parcelado.
E quem apostou na queda de algumas empresas mais resilientes se deu mal, pois elas resolveram contrariar as previsões e subiram. Um método eficaz de perda rápida para quem achou que podia domar o mercado com planilhas e arrogância.
Aliás, por falar em arrogância: você sabia que tem gente alugando ações que exigem mais de dez pregões para liquidação? Pois é. Alguém lá em cima achou sensato brincar de sardinha ninja com papel de liquidez raquítica. Quando a liquidez é baixa, a porta de saída é estreita. E adivinha quem fica entalado quando o fogo come?
É como se você alugasse sua casa para uma rave e, ao voltar, encontrasse a fachada pintada de neon e a geladeira cheia de restos de sushi vegano. Tecnicamente, a casa ainda é sua. Mas boa sorte em reconhecer.
E no centro desse baile de interesses, temos o grande buraco negro: a miopia de quem deveria zelar pela integridade do mercado. A pressão vendedora promovida por essas operações é real. Mas muito gestor segue alheio, distraído, confiante que o mercado se auto-regula — como se essa entidade invisível tivesse algo mais a fazer do que rir da nossa boa-fé.
O Ibovespa, coitado, virou um desfile de moda sem critério. A essência se perdeu. Lucro por ação, dividendos robustos, fundamentos... são tratados como aquele parente chato que ainda acredita em meritocracia e honestidade em licitação.
Hoje, o que importa mesmo é saber quem está alugando muito e quanto tempo a festa vai durar antes da ressaca. A nova referência de valor é a pressão de venda provocada por um exército de especuladores temporários que se movem como gafanhotos digitais. Onde pousam, destroem margens e sugam valor.
Quer um exemplo? Há ações que, após desdobramentos e base acionária inchada, viraram um fardo. Antes, dançavam com leveza. Hoje, mal levantam do chão. Já outras que mantiveram bases acionárias estáveis seguem firmes — são como aquelas senhoras discretas que, mesmo sem maquiagem, sustentam o baile com postura.
Enquanto isso, seguimos sendo convidados involuntários da grande rave financeira promovida pelas corretoras. E a cereja do bolo? Você provavelmente autorizou a custódia remunerada e nem percebeu. Estão alugando sua roupa de gala sem você saber. Chique, né?
E já que estamos falando de elegância, falemos de dividendos. Tem empresa por aí cujo estatuto social prevê payout de 0,001% sobre os lucros. Uma ova de dividendos. Já ouviu falar de generosidade cínica? Pois é. Outras tantas estão no mesmo barco furado.
É por isso que quem ainda acredita em renda passiva precisa tirar os olhos da performance do mês e olhar para a estrutura do baile. Quem paga o buffet? Quem controla o som? Quem decide a lista de convidados?
Boas empresas, com margens decentes, base acionária enxuta e compromisso estatutário com dividendos, essas sim deveriam ser a pista principal. Enquanto isso, muito influenciador anda vendendo convites para a festa errada. Com dress code de mentalidade milionária e open bar de frases feitas.
E não me venham com chororô. Quando dizem que "tudo era mais barato antes", a resposta é simples: nunca foi tão óbvio ganhar dinheiro. O problema é que boa parte das pessoas estão tão ocupadas olhando para o salto alheio que esquecem de calçar seus próprios sapatos.
Finalizo com um conselho que não pedi a ninguém, mas que deixo aqui, como quem deixa um bilhete no espelho: o mercado não é um cassino. É uma casa de espelhos. E, se você entrar lá dentro sem saber quem é, vai sair pior do que entrou.
Ah, e sobre alugar ações: faça se quiser. Mas faça com olhos abertos, mesmo que eles estejam fechados como os meus. Porque no fim das contas, o que precisa enxergar é o dinheiro. E esse, meu caro, é mais cego que eu.
— Ho-Kei Dube
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