Zerada no Limite

 Vamos começar com um dado simples: o ideal, dizem os especialistas, é economizar pelo menos 20% da renda mensal. Agora eu te pergunto: 20% de QUÊ, Brasil? Do resquício emocional? Da paciência? Porque da renda mesmo, só se for em sonhos subsidiados por ilusões coletivas.

Sou cega, mas não sou tola. Enxergar que o Estado não faz a própria lição de casa não exige visão perfeita, apenas um pouco de audição atenta e a capacidade de reconhecer quando estão tentando nos fazer engolir mais uma "verdade orçamentária" com gosto de fel.

Você acorda, já pensando em economizar. Mas a luz aumentou, o aluguel subiu, o cafézinho virou item de luxo, e o ônibus está mais caro do que uber em dia de chuva com débito em conta emocional. E ainda te dizem pra separar 20% da renda como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Separar, a gente até separa: o dinheiro de um lado, a dignidade do outro.

Enquanto isso, o Governo Federal, sempre com aquele discurso de "ajuste fiscal responsável", segue batendo meta no esporte nacional favorito: empurrar o problema com a barriga fiscal e, quando não cabe mais nada, propor uma nova reforma da previdência. Afinal, faz quase 10 anos desde a última. Está mais do que na hora de atualizar o pacote de desesperança oficial.

Aliás, a sensação é que a próxima reforma vai exigir da gente não só trabalhar até depois de morto, mas contribuir com o INSS em qualquer plano espiritual onde eventualmente reencarnarmos. Vai ver já tem um Pix preparado no purgatório. E sabe como é, né? Se você não contribuir, seu espírito perde o acesso ao plano de saúde celestial.

Dá pra rir? Dá. Mas não muito, porque riso não tem cashback.

Voltando à meta dos 20%: ela é boa. Ideal. Bonita, como tudo o que vive no país da teoria. Mas na prática, exige algo que o Brasil parece não querer entregar: estabilidade, previsibilidade e um mínimo de vergonha na cara. O problema é que a gente é treinado pra sobreviver, não pra planejar.

E o Estado? Ah, o Estado... aquele que cobra cada centavo do seu CPF se você vender um brigadeiro na porta de casa, mas não consegue cortar nem o cafezinho gourmet do gabinete com ar-condicionado a 18 graus e paredes isoladas da realidade. Eles não economizam. Mas esperam que você economize, que você seja o cidadão modelo que guarda 20%, investe com diversificação, se aposenta cedo (só se for da ilusão) e ainda paga a conta da previdência quebrada.

Querido leitor, se você chegou até aqui e está esperando uma planilha mágica que vai te fazer guardar 20% mesmo ganhando o salário mínimo e alimentando três filhos, eu tenho uma única coisa a te oferecer: solidariedade. E sarcasmo. Mas esse último, eu distribuo em abundância porque não entra no imposto de renda (ainda).

Vamos ser práticos. A regra dos 20% não é uma lei divina. Ela é uma direção. Se você consegue guardar 5%, já é algo. Se não consegue guardar nada, mas já parou de parcelar sapato pra impressionar colega de trabalho, você está evoluindo. Cada ato de consciência financeira é um voto contra esse sistema que quer que você viva no limite (do crédito e da sanidade).

Economizar é um ato de resistência. Planejar o futuro é um gesto radical num país que te treina para o improviso. Então não se culpe por não atingir a meta dos 20%. Cobre o Estado, sim. Mas não esqueça de cobrar também seu próprio olhar: o que é prioridade? Onde você está colocando energia, tempo e dinheiro?

Aqui, neste blog, vamos rir juntos, mas também pensar juntos. Porque eu posso não ver o mundo como você vê, mas garanto que escuto os absurdos com muito mais clareza. E se você quiser economizar 20%, comece pelos clichês financeiros. Corte o excesso de promessas milagrosas. Invista em reflexão, ironia, e uma boa dose de realismo.

E quando vier a próxima reforma da previdência, você já vai estar preparado. Talvez até já tenha guardado 20% da sua paciência para ler o texto da PEC em letras miúdas.

Até lá, seguimos. Zeradas, talvez. No limite, com certeza. Mas conscientes. Porque a prosperidade pode até não ter cashback, mas a lucidez é um ativo que ninguém te tira.

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