ESG, Etiqueta e Escândalo: Quando parte do Senado Vira um Péssimo Case de Governança

Outro dia, sentada na penumbra da minha sala — porque a conta de luz anda tão absurda quanto certos discursos — ouvi uma notícia com trechos de uma sessão do Senado que me fizeram quase derrubar a taça de vinho. Não pelo buquê do Cabernet, mas pelo bouquet de ignorância servido em rede nacional com a finesse de um garçom desastrado numa churrascaria rodízio.

Uma ministra era “interpelada” — entre muitas aspas e nenhuma elegância — por alguns senhores que confundem Comissão de Infraestrutura com roda de boteco da pior categoria. Um deles, com a delicadeza de uma britadeira, afirmou que respeitava “a mulher, mas não a ministra”. A reportagem lembrou que um dos senadores já havia declarado, em outra ocasião, que era difícil ouvi-la sem querer "enforcá-la". Sim, você leu certo.  Ao que depois se desculpou dizendo que se tratava de “figura de linguagem” ao falar em “enforcar”. E não era stand-up. Era o Senado da República Federativa do Brasil. Versão 2025, mas com roteiro dos anos 1950.

Respirei fundo. Não de surpresa — porque surpresa exige esperança. Respirei para não sufocar com a poeira grossa da misoginia institucional. E constatei, mais uma vez, que o ESG pode até estar na carteira de investimento, mas ainda está fora da prateleira moral de boa parte da política nacional. Especialmente do "G" de governança, que alguns confundem com "Gritaria".

Marina Silva — que já cruzou mais desertos que muito CEO de boutique de fundo verde — respondeu com a serenidade de quem sabe que dignidade não se discute, se sustenta: “O que o senhor queria é que eu fosse submissa. Eu não sou. Eu vou falar.” E saiu. Saiu como se sai de lugares onde a estupidez já ocupou todos os assentos disponíveis. Saiu porque sabe que não vale a pena tentar negociar com quem não tem nem estofo, nem estojo para escutar.

Enquanto isso, no picadeiro paralelo do mercado financeiro, o ESG dança conforme a música — ora jazz climático, ora axé corporativo. Já virou acessório de gestor em busca de curtidas no LinkedIn, virou carimbo para consultoria que embala café fraco com siglas em inglês e, claro, virou tema de carta anual de gestores globais, que agora evita o termo ESG como se fosse “socialismo” dito em churrasco de condomínio.

Mas calma: não é fuga, é estratégia. O ESG virou território minado — bombardeado à esquerda por quem exige ação real, e à direita por quem acha que sustentabilidade é ofensa pessoal. No meio, sobram os gestores que ainda têm algum juízo e perceberam que, para não parecer greenwashing, ESG precisa virar coisa concreta: descarbonização, transição energética, governança que não grite.

Sai o ESG de PowerPoint, entra o ESG que pesa no Excel e no Balanço.

E é aí que a coisa fica irônica: enquanto o mercado financeiro tenta, entre tropeços e regulações, transformar o ESG em critério real de análise — com métricas, comissões e relatórios que ninguém lê, mas que pelo menos existem — o Senado volta à caverna institucional, onde mulher com voz firme vira “mal educada” e quem fala em preservação ambiental é tratado como herege da pátria.

Num país onde ainda se debate se mulher pode ou não levantar o tom sem levantar a ira masculina, o ESG segue como sigla bonitinha em papel timbrado e completamente ignorada na prática. A política brasileira olha para o “S” de social como se fosse uma nota de rodapé dispensável, e para o “G” de governança como se fosse um adorno facultativo — tipo guardanapo de tecido em churrasco com cerveja quente.

Mas o ESG, meus caros, veio para ficar. Não como salvador da lavoura — até porque a lavoura está em chamas — mas como balizador do óbvio: não dá pra investir num mundo que derrete, explorar um mercado que desaba, ou sustentar uma economia sem sustentação ética. E se isso incomoda quem acha que “ética” é frescura de ONG e que “governança” se resume a assinar a ata da reunião, então o ESG está funcionando. O incômodo é o primeiro sinal de transformação.

Marina não perdeu nada. Ao sair da sessão, ela apenas deixou claro que não há debate possível quando o outro lado confunde argumentos com agressões e acha que civilidade é concessão. Saiu porque dignidade também é estratégia. E não se negocia valor intrínseco com quem só reconhece cotação.

Quanto ao ESG, deixemos os profetas do colapso gritarem. Enquanto isso, os investidores atentos seguem mapeando riscos climáticos, ajustando portfólios e — veja só que ousadia — tratando sustentabilidade como um ativo de verdade, e não como peça de marketing para tapar buraco moral.

E o Senado? Bem... o Senado ainda não entendeu que reputação também tem valuation. E que, num país onde se investe com medo, a única coisa que valoriza é o cinismo.

— Ho-Kei Dube

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