A Conversão dos Descrentes e o Evangelho dos Dividendos: Uma pregação que começa em silêncio

Sabe aquela empolgação infantil que toma conta de quem descobre algo maravilhoso, como se tivesse acabado de achar o botão de volume do universo? Pois bem, foi mais ou menos assim que reagi quando entendi o que eram dividendos. Não os de igreja — esses já me renderam muito arrependimento — mas os outros: os da bolsa, os do capital que se multiplica quietinho, mesmo quando você dorme de conchinha com a inflação. Achei que havia encontrado o Santo Graal do capitalismo. Quis anunciar ao mundo. Montar barraca em frente à padaria. Catequizar a tia que só confia no cofre do colchão. Mas aprendi — da forma mais elegante possível — que evangelizar investidores não convidados pode ser tão ineficaz quanto tentar ensinar álgebra no meio de um churrasco com pagode ao fundo.

Porque, veja, o entusiasmo inicial é lindo. A gente compra ações como quem adota um pet raro. Escolhe nome, imagina futuro, apresenta para os amigos. E quando os primeiros dividendos pingam na conta, parece que o universo nos mandou um bilhetinho: "parabéns, você entendeu o jogo”. É então que surge a ideia fatal: “preciso compartilhar isso com todo mundo!”. E começa o espetáculo. Você, apóstola dos aportes mensais, munida de gráficos e frases motivacionais, tentando converter uma roda de amigos embriagados na esperança de que deixem o pixbet para trás e abracem a previdência privada como estilo de vida.

Spoiler: eles não vão. E o problema não é só o momento, nem o tom. É que pregar prosperidade num país onde a maioria aprendeu a sobreviver e não a crescer exige mais do que boas intenções e um PDF da corretora. Exige exemplo. Disciplina. E um certo silêncio estratégico.

Vamos recuar uma casa nesse tabuleiro. Sabe aquele clichê de que “o exemplo arrasta”? Pois é, neste caso, ele também é o único que faz efeito. Porque quando o assunto é dinheiro — esse deus laico, disfarçado de boleto — ninguém quer ouvir sermão. O que as pessoas observam é o comportamento. O tempo. A constância. E, se me permite a imagem, o brilho sutil no olho de quem não precisa de milagre porque tem uma carteira bem montada.

Então antes de evangelizar sua avó, o primo da Uber ou o cunhado maromba, pare e pense: você está fazendo a sua parte? Está aportando com disciplina ou só quando sobra? Entende de verdade o que está comprando ou é só mais um caçador de dividendos de ocasião? Porque não adianta esbravejar contra o CDI se você trata a bolsa como um bar em liquidação. Não adianta discursar sobre independência financeira se o seu emocional dança conforme a cotação.

Aliás, sobre isso, permitam-me uma pausa cênica. Quantas vezes já vimos aquele investidor de Instagram, que num dia está em êxtase com o rendimento de uma empresa e, no outro, em luto, porque a ação caiu 7%? É a volatilidade emocional mascarada de estratégia. Gente que grita “longo prazo!” com a mesma convicção com que promete dieta toda segunda-feira.

Não me entenda mal — todos já passamos por isso. Eu também já acreditei que poderia convencer os outros a mudar sua relação com o dinheiro apenas mostrando gráficos de evolução patrimonial. Mas descobri, com a graça das decepções bem vividas, que ninguém se converte ao valor só com PowerPoint. É preciso encarnar o tal valor. Incorporá-lo na rotina, nos gastos, na forma como você trata seus dividendos. Eles são o reflexo, não o objetivo.

E já que falamos deles — os dividendos — vamos esclarecer uma coisa: eles não são varinha de condão. Não fazem mágica. Eles amplificam aquilo que você já tem: constância, visão, paciência. Se você trata a carteira como roleta, eles viram centavos. Se você cuida dela como quem planta árvores — com olhos no futuro e raízes firmes — eles viram sombra e frutos. Mas, por favor, sem alucinar com aquela história do “me aposentei com 35 anos só com ações de energia”. Porque todo milagre financeiro é, no mínimo, mal contado.

Agora, respire fundo, porque vem a parte espinhosa: você não tem obrigação de convencer ninguém. Isso mesmo. Nenhuma. Zero. Zilch. Sua única obrigação, se é que se pode chamar assim, é ser coerente com o que diz e faz. A fala sem prática é apenas mais um ruído no buffet de opiniões mal digeridas que é o mundo financeiro nas redes sociais.

Querer salvar os outros da ignorância financeira pode até parecer nobre, mas às vezes é só uma vaidade disfarçada de altruísmo. E vaidade, como sabemos, não paga dividendos. Só rende frustração.

O que muda o jogo é o exemplo silencioso. Aquele parente que te observou anos aportando com regularidade, reinvestindo cada centavo, sem alarde, e que um dia, no canto da festa de fim de ano, puxa assunto: “aquela coisa de dividendos... como é mesmo que funciona?”. É aí que começa a verdadeira catequese — sem promessas, sem jargões, sem powerpoint. Só prática e paciência. O resto é ruído.

E por falar em paciência — essa senhora mal compreendida — preciso reforçar: ela não é passividade. É estratégia. É o que separa o investidor do torcedor. E veja, não tenho nada contra torcida, mas já temos estádios demais para isso. O que precisamos são mais cultivadores. Gente que rega, espera, observa. Que entende que o tempo é o filtro que separa o discurso da substância.

Muita gente começa entusiasmada, com a energia de um recém-convertido, mas desiste no primeiro tropeço. Vende tudo na primeira queda. Muda de estratégia como quem troca de shampoo. E depois diz que “investir não é pra mim”. Não, meu bem. O problema não é você. É sua pressa.

A verdade é que investir exige um tipo de fé que não tem nada de mística. É fé nos ciclos, nas contas, nas decisões conscientes. Fé de quem olha a planilha e pensa “está doendo, mas vai passar”. E vai mesmo. Porque o tempo não só cura como multiplica — desde que você pare de arrancar a semente antes dela germinar.

Portanto, antes de tentar convencer os outros, convença a si mesma. Faça a autoentrevista incômoda:

– Estou sendo disciplinada ou só entusiasmada?
– Estou estudando ou apenas seguindo boatos?
– Estou reinvestindo os dividendos ou torrando com a desculpa do “eu mereço”?
– Sei mesmo o que essas empresas fazem ou estou comprando nome bonito?
– Estou olhando as metas ou só os memes do dia?

Não há nada de errado em errar. Errado é fingir que o erro foi culpa da bolsa, do governo, do alinhamento dos astros. Errado é empurrar doutrina nos outros quando nem você acredita direito. Errado é tratar o dinheiro como inimigo ou como salvador. Ele é apenas... recurso. É o que você faz com ele que te define.

E aqui, talvez, esteja a única lição prática que vou permitir: seja a investidora que sua versão de dez anos no futuro vai agradecer. Não a que grita na reunião de família sobre ações, mas a que planta silenciosamente o próprio caminho. Porque os resultados falam. E falam alto. E quando falarem, você não precisará dizer mais nada. Bastará sorrir — com a calma de quem soube esperar, e o cinismo de quem nunca precisou da aprovação alheia para enriquecer com elegância.

Porque no fim das contas — e veja bem, eu disse fim das contas — o que importa não é quantas pessoas você convenceu. É quantas vezes você não se traiu. E isso, meu bem, não tem cotação. Tem caráter.

– Ho-kei Dube

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