Ensino Superior? Nem tanto: entre torres de marfim e oficinas de sabedoria

Ah, o ensino “superior”. Poucas expressões carregam tanto verniz de prestígio e, ao mesmo tempo, escondem uma pátina grossa de contradição, desigualdade e — por que não? — pretensão. Sim, meus caros leitores e leitoras: hoje resolvi enfiar o dedo nessa ferida tão exposta quanto ignorada, mas sempre decorada com diplomas emoldurados e jargões em latim.

Antes de prosseguir, um disclaimer: escrevo de um lugar onde a visão se perdeu, mas o olhar crítico se aguçou. E talvez exatamente por isso, já não me deslumbro mais com edifícios suntuosos, bibliotecas infindáveis ou títulos acadêmicos tão extensos quanto as dívidas que os acompanham. Para mim, a pergunta não é: “Você fez faculdade?”, mas sim: “O que você fez com aquilo que aprendeu — seja na universidade, na rua, ou na vida?”

A superioridade fabricada

O termo “ensino superior” sugere, sub-repticiamente, a existência de um ensino “inferior”, como se todo o saber não fosse, em última análise, uma ponte precária e provisória entre a ignorância e a tentativa desesperada — e deliciosa — de entender o mundo.

Quem, afinal, decidiu que o químico é superior ao técnico que ajusta os equipamentos que permitem que a química se manifeste? Que o professor universitário é mais digno de honrarias do que a cozinheira que alimenta o campus inteiro? E que um doutor, com seus três sobrenomes pomposos, merece mais reverência do que o agricultor que, sem diploma, sabe prever a chuva pela direção do vento?

A resposta, meus caros, é simples: quem detém o poder econômico e simbólico cria as hierarquias que melhor o servem.

As torres de marfim e o chão batido

Enquanto alguns se enclausuram nas confortáveis torres de marfim, onde o debate é elegante, mas raramente urgente, outros lidam com o concreto — ou com a ausência dele. A academia, tão afeita a discursos sobre inclusão, ainda pisa hesitante na lama das desigualdades que ela própria perpetua.

Não me entendam mal: não estou aqui para demonizar o ambiente acadêmico, tampouco para idealizar o pragmatismo técnico. Apenas para lembrar que nem tudo são flores na academia, e que, muitas vezes, os espinhos escondem-se justamente sob os mantos do prestígio e da autoconferida superioridade.

Entre papers publicados em periódicos que ninguém lê e fóruns onde o mais importante é parecer inteligente — ainda que à custa do silêncio sobre o que realmente importa —, a universidade segue sua marcha: ora produzindo conhecimento transformador, ora reproduzindo o status quo com uma eficiência de fazer inveja a qualquer burocrata.

O ensino pós-secundário: mais diverso do que sonha a vã filosofia universitária

Enquanto parte das elites insiste em tratar a universidade como o único caminho legítimo após o ensino médio, o mundo — esse velho sábio, sempre um passo à frente — já há muito diversificou suas opções.

Existem as faculdades técnicas, as escolas profissionais, os institutos pedagógicos, os centros de formação artística e, claro, as robustas faculdades comunitárias. Todas elas formam pessoas, e não apenas profissionais. Elas ensinam ofícios, cultivam competências, alimentam sonhos. E, pasmem, muitas vezes fazem isso com mais impacto social do que as sisudas universidades de pesquisa que se ocupam, com frequência, de problemas que só os seus próprios pares compreendem — e às vezes nem isso.

Sim, meus caros: o tal do “ensino pós-secundário” — ou EPS, para os íntimos — é um ecossistema rico, pulsante, heterogêneo. Uma verdadeira floresta tropical de possibilidades, onde convivem desde o curso de formação de técnicos em eletrônica até escolas de artes que moldam os futuros músicos, atores e designers.

E, adivinhem? Todas são dignas. Nenhuma é superior. Nenhuma é inferior.

A obsessão pela universidade como projeto de nação

Há quem insista que só as universidades devem ser o ápice do sistema educacional, como se fossem os templos sagrados de um saber que, por vezes, nem serve mais ao mundo real. Um pensamento antiquado, que, como certos políticos brasileiros, resiste em deixar a cena, mesmo que já não sirva a ninguém — exceto, claro, aos que lucram com ele.

O problema não é a universidade, mas o monopólio que ela exerce na imaginação coletiva sobre o que significa “ter sucesso” ou “ser alguém”. Uma perversão que alimenta o culto ao diploma e despreza a valorização de saberes diversos.

Enquanto isso, a desigualdade social, esse nosso velho conhecido, se regozija silenciosamente.

No Brasil, menos de 20% dos adultos possuem educação pós-secundária. O dado não surpreende, mas envergonha. E se quisermos falar de mobilidade social, de redução das iniquidades, de uma sociedade menos cindida entre doutores e “sem instrução”, é preciso ir além do fetiche universitário.

A isonomia artificial e a necessidade de sistemas flexíveis

A tentativa de impor uma falsa isonomia — aquela que diz que toda universidade deve ser igual, ter os mesmos objetivos, as mesmas estruturas e as mesmas missões — é mais uma dessas ideias brilhantes que só servem para criar uma massa amorfa de instituições, muitas das quais agonizam entre falta de financiamento, excesso de burocracia e uma governança que beira o tragicômico.

Não, nem toda universidade precisa ser um centro de pesquisa de ponta. Algumas podem, sim, dedicar-se à formação profissional de qualidade, atendendo às necessidades regionais, sem se preocupar em produzir o próximo Prêmio Nobel.

Outras podem ser polos de pesquisa avançada, atraindo cérebros de todas as partes do mundo e cultivando o saber pelo saber — e que bom que assim seja!

Mas o essencial é entender que há espaço para todos. Ou, como gosto de dizer, com minha lucidez ácida de quem já viu muita coisa: há um lugar ao sol até para quem nunca pisou numa universidade, mas ilumina vidas com o seu trabalho cotidiano.

O que importa, no fim das contas

Não é o título, o diploma, nem a sigla estampada na parede. É a capacidade de aprender sempre, de contribuir, de transformar.

É preciso desmistificar a ideia de que quem não tem graduação é “menos”. A universidade é um dos caminhos — valioso, sem dúvida —, mas não é o único. E, para muitos, nem é o melhor.

Como investidores (porque, sim, sempre voltamos a isso), deveríamos entender que a diversificação vale tanto para a carteira quanto para os percursos formativos. Apostar todas as fichas em um só caminho é tolice — na vida, nos investimentos e na educação.

O que o Brasil precisa? Educação ampla e flexível

O Brasil, esse país que amo tanto quanto critico, precisa ampliar o acesso ao ensino pós-secundário de forma inteligente, diversa e flexível. Precisa valorizar o técnico, o profissionalizante, o artístico. Precisa reconhecer que o saber não é monopólio da academia, mas uma construção coletiva, múltipla e profundamente humana.

Não precisamos de mais doutores de gabinete, mas de mais profissionais capazes de fazer a ponte entre o conhecimento e a ação. Entre a teoria e a prática. Entre a torre de marfim e o chão batido da vida.

O veredicto final: saber não é acumular diplomas, mas expandir consciências

Portanto, meus caros leitores e leitoras: da próxima vez que alguém ostentar com arrogância um diploma, sorria — com aquele ar sofisticadamente irônico que aprendemos a cultivar aqui no blog — e pense: “Parabéns, mas… e o que você faz com isso?”

E lembrem-se: quem precisa abrir os olhos é o sistema educacional… não eu.

—Ho-kei Dube

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