Quem Planta Esperança Investindo por Inveja Hoje, Acaba Colhendo Frustração Amanhã.
Voltei com o mesmo tema da inveja, mas com ar altivo de comparação. Você já ouviu o conselho universal dos infelizes performáticos? “Se compare apenas consigo mesmo.” Pois eu lhe digo: até isso é perigoso — porque até o “você mesmo” de ontem anda dopado de expectativas irreais e métricas que ninguém pediu para seguir.
A lógica da comparação, quando se instala no campo financeiro, é como plantar inveja e esperar colher dividendos. O resultado é sempre o mesmo: carteira ansiosa, decisões histéricas e uma sensação crônica de estar atrasado na vida. Não importa se você tem 20 ou 70 anos — se caiu no ciclo da comparação, já entrou no lucro dos outros e no prejuízo do seu juízo.
A bolsa não é um espelho mágico
Não sei quantos milhões de vezes já repetiram que “cada investidor tem um perfil”, mas o que isso importa quando a métrica invisível é o lucro alheio postado em redes sociais maquiadas com filtro de sucesso?
Comparar sua jornada com a de outra pessoa no mercado é como criticar o sabor do seu vinho porque o vizinho abriu champanhe — sem saber se ele está comemorando ou afogando mágoas.
Você vê a rentabilidade. Não vê a dívida, o risco corrido, o azar evitado ou o gênio esquizofrênico que apertou o botão da compra. Você não vê o plano — porque, muitas vezes, nem há um.
E aí está o perigo: querer ter os resultados de alguém que não sabe sequer por que comprou aquela ação. É o equivalente financeiro a querer o corpo de alguém sem saber quantas cirurgias vieram no pacote.
O algoritmo que nos empobrece
Se a comparação é antiga, o que muda hoje é a velocidade e a estética do dano. O feed virou confessionário de conquistas editadas, onde o fracasso é apagado com a mesma agilidade com que se atualiza a carteira no app da corretora.
Antes, a inveja era uma vizinha incômoda. Agora ela é um push no celular, uma planilha viral, uma palestra de palco com frases de impacto e carteiras fictícias.
E o mais irônico: no desespero de parecer vencedor, muita gente investe só para mostrar que investe. Compra papéis como quem compra likes. Acumula ativos sem digestão crítica. Vira colecionador de siglas que não entende, como se ticker na carteira fosse medalha olímpica.
Mas, como eu bem sei, medalhas não compram paz. E nem pagam dividendos.
O preço da pressa emocional
No universo financeiro, a maior armadilha é não suportar o tempo. Mas a segunda maior é não suportar o silêncio.
Silêncio de uma carteira parada. De um lucro que não vem ainda. De um patrimônio que cresce como árvore e não como rabanete.
A geração que não suporta esperar um podcast carregar vai conseguir segurar um ativo por cinco anos? Vai confiar em fundamentos quando as manchetes dizem que o apocalipse é amanhã às 9h30 com chance de chuva no Ibovespa?
Essa mesma geração, criada a suco verde e aprovação instantânea, corre para trocar de ativo como quem troca de série: três episódios sem emoção, cancela e parte pra próxima.
Mas mercado não é maratona de série ruim. É mais como um filme lento, sem final feliz garantido, mas com enredo coerente para quem presta atenção.
Comparação também endivida
O que quase ninguém diz é que comparar demais também custa dinheiro.
Já vi gente refinada, com pós-graduação e blazer de linho, colocar toda a reserva em ações cíclicas só porque “o amigo que entende do mercado” teve uma alta pontual.
Já vi planilhas decoradas com cores e gráficos que escondiam um pânico velado: o de não estar ganhando o suficiente, não estar fazendo parte do “grupo dos que sabem”.
Já vi pais se endividarem para dar aos filhos o “mesmo padrão de intercâmbio” que a filha da prima do chefe conseguiu financiado em doze parcelas de frustração.
Tudo isso para manter uma ficção. Um padrão. Um ideal de vitória que ninguém consegue sustentar mais de três meses sem ajuda de ansiolítico ou storytelling motivacional.
Investir não é performar
Num mundo que nos manda ser felizes, produtivos, plenos e rentáveis ao mesmo tempo — qualquer pausa parece fracasso. Mas não é.
Pausa, no mundo dos investimentos, é saúde.
Você pode — e deve — parar. Pode esperar. Pode avaliar se o ativo ainda faz sentido para o seu objetivo e, veja só, você pode até não ter objetivo algum naquele momento.
O plano não precisa ser perfeito. Mas precisa ser seu.
Porque, no fim, o grande truque da comparação é fazer você viver a estratégia do outro sem saber que está abandonando a própria.
E quando você abre mão do próprio plano, não importa o quanto ganhe — você já perdeu.
Conclusão: Comparação não paga dividendos.
Se você chegou até aqui esperando uma fórmula para superar a inveja financeira, sinto lhe informar: não há.
Mas há lucidez. E, com sorte, alguma coragem.
Coragem para assumir que o plano do outro não é seu. Que a rentabilidade do mês não define a sabedoria de uma vida. Que o Instagram do investidor do momento não mostra os boletos nem as crises de choro no banho.
E que, entre colecionar ações e colecionar ansiedades, eu prefiro seguir meu próprio caminho.
Com menos gritos, menos gráficos e mais silêncio. O tipo de silêncio que faz o dinheiro crescer — e o ego, diminuir.
— Ho-kei Dube
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