A Tragédia de Ser Comparável: Quando a inveja se disfarça de inspiração e o feed vira régua de fracasso
A Tragédia de Ser Comparável
Comparar-se pode parecer um gesto ingênuo — um deslizamento leve da mente que, ao tropeçar no feed alheio, suspira: “eu também queria”. Mas não se engane. Comparar-se, hoje, é um ritual tóxico e industrializado, embutido na engrenagem da produtividade, da felicidade obrigatória e dos lucros de curto prazo. É o novo jejum intermitente da autoestima: você se priva de dignidade em ciclos de 24 horas, esperando que, em algum momento, seu valor de mercado reaja.
A tragédia moderna não é não ser feliz. É parecer infeliz diante de um algoritmo que empilha sorrisos plastificados como se fossem dividendos ininterruptos de uma vida bem-sucedida. Você, que trabalha, respira, paga boletos e ainda sonha com uma aposentadoria honesta, passa a sentir que está falhando — porque alguém, em algum lugar, está construindo o próprio castelo com blocos de felicidade cor-de-rosa no LinkedIn.
Mas não se engane: muitas das vezes os muros são de isopor. E o telhado, de mentiras bem editadas.
O fetiche pela infelicidade bem maquiada
A indústria da comparação é mais lucrativa que a do petróleo. Porque não vaza — ela penetra. Escorre por notificações, reels e planilhas motivacionais. Invade até os conselhos de administração: investidores mirins, ainda na puberdade da consciência crítica, querem ser o próximo caso de sucesso que só começou aos 19 e já tem “renda passiva” para sustentar cinco gerações de fantasmas familiares.
Mas a verdade é menos sexy. A maioria mal tem renda ativa que pague o plano de saúde da avó.
Comparar-se a outros investidores, por exemplo, é como tentar correr uma maratona com o tênis de quem já chegou — e achar que tropeçou por não ter pernas suficientes. As jornadas não são comparáveis, nem os ciclos de entrada, nem os momentos emocionais, nem o estômago para aguentar 30% de queda numa segunda-feira e ainda assim dormir melhor do que quem “só investe em renda fixa, porque é mais tranquilo”.
A beleza irremediável de um plano — mesmo sem aplauso
Ter um plano de investimentos é o último luxo que ainda não foi vendido em fascículos. Porque não rende likes. Não tem antes e depois. E tampouco se presta ao fetiche emocional do “olha como eu virei trader em dois meses e mudei minha vida”.
Um plano exige constância. E constância, na era das comparações, virou crime financeiro. Quem não está em alta velocidade parece parado. E quem está parado parece morto.
Mas há uma beleza radical — e silenciosa — em não trocar sua estratégia só porque o vizinho da internet comprou uma ação que subiu 80% num mês e agora sorri em frente a um prédio que não é dele.
Siga seu plano. Compre o que você entende. Ignore o que não faz sentido para o seu momento. E jamais, sob hipótese alguma, invista para competir com ninguém. Quem entra no mercado com inveja, sai com prejuízo.
Quando todo mundo mente, a verdade vira suspeita
A verdade tem andado tímida. E quem ousa praticá-la é taxado de “desmotivado”. Imagine você dizer em voz alta: “estou cansada, confusa, e não sei se quero crescer exponencialmente”. Pronto: imediatamente alguém surgirá com um gráfico, um curso de produtividade quântica e uma crítica disfarçada de incentivo: “você precisa acreditar mais em você!”
O culto da felicidade tem sede de crentes. Mas pouca tolerância com hereges. Quem ousa dizer que o mundo está pesado, que a vida está cara e que, sim, há dias em que não se quer empreender absolutamente nada — nem sequer um sorriso — é tratado como herege do século XXI: precisa ser corrigido, motivado, vitaminado.
Eu não preciso disso. Você também não.
A comparação constante destrói o prazer da permanência. Você planta uma árvore e, ao invés de regá-la, passa a olhar para o jardim do vizinho que — surpresa! — comprou as flores no supermercado e jogou glitter em cima.
Ansiedade como modelo de negócios
Não se trata de acaso: a insatisfação é deliberada. Uma arquitetura precisa e funcional. Os aplicativos que nos conectam foram desenhados para gerar dopamina e vício, não reflexão e discernimento. A cada rolagem, você consome imagens de vidas editadas. E quanto mais consome, mais acha que não tem o suficiente.
No passado, comparávamos o jardim. Hoje, comparamos o código genético do morador, a curva de rendimento da filha, a taxa de gordura do cachorro. A loucura é matemática. E a frustração, contínua.
O mercado entendeu que uma mente ansiosa consome mais. Investe mais. Troca mais de estratégia. Compra mais cursos. E por isso o conselho que mais ouço, de gente que não investe um real por conta própria, é o mesmo: “não pode ficar parada!”.
Mas pode. E deve.
Investir não é correr — é resistir
Não existe pressa no longo prazo. E ninguém ganha de quem continua.
Um dos maiores perigos para o investidor iniciante é se perder na comparação com quem começou antes, com quem herdou patrimônio, ou com quem vende mentoria de uma trajetória fictícia. O mercado é cheio de fantasmas bem vestidos.
Você não precisa do mesmo ativo que seu amigo. Nem da mesma rentabilidade. O que você precisa é de clareza. E clareza só nasce no silêncio — quando você para de ouvir ruído alheio e começa a escutar sua própria estratégia.
Quem quer ganhar no tempo precisa fazer as pazes com o tédio. Porque não há glamour em manter posição durante cinco anos enquanto o mundo troca de ativo a cada sexta-feira. Mas há liberdade. E isso, sim, é patrimônio.
A falácia da produtividade perpétua
Outro veneno elegante disfarçado de vitamina é a obsessão pela produtividade. Como se cada minuto improdutivo fosse um ataque à nação dos bem-sucedidos.
Eu tenho um segredo para você: ninguém é produtivo o tempo todo. E quem é, provavelmente está doente.
Desconfie de quem trabalha de domingo a domingo, sorri para planilhas e sonha com gráficos. Pode ser burnout a caminho. Ou pior: ausência de vida fora do trabalho.
Produtividade é ferramenta, não identidade. Não deveria nos definir. Tampouco nos consumir.
Mas há quem tenha medo do silêncio. E prefira se entupir de tarefas como forma de evitar o vazio. O mercado agradece — vende aplicativos, livros e cursos para essas almas que confundiram movimento com sentido.
Comparar-se é esquecer que cada estrada tem um chão
Quem olha demais para a estrada alheia tropeça na própria calçada. O investidor que passa o tempo todo comparando rentabilidade não está investindo — está competindo. E quem compete em um jogo sem regras comuns, termina exausto e sem patrimônio.
Os melhores resultados vêm de quem se conhece. E não se sabota por aplauso.
Não é o tempo de tela que constrói fortuna. É o tempo de convicção. E isso não tem número visível, nem filtro estético. É algo que só o silêncio, o estudo e a experiência ensinam.
Para terminar:
Seja gentil com sua jornada. Ela é sua — e isso já é o bastante.
Você não precisa de uma vida que pareça incrível no Instagram. Precisa de uma vida que faça sentido no escuro.
Porque eu, Ho-kei Dube, sigo sem ver. Mas vejo muito. E aprendi que quem precisa abrir os olhos não sou eu.
É o dinheiro.
E talvez, você.
— Ho-kei Dube
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