O Ícone do 'Salvar' Não É Relíquia: É Espelho
Há quem ache graça quando uma criança olha para um disquete antigo e pergunta se é “o ícone do salvar impresso em 3D”. Risada garantida, piada pronta. Mas, convenhamos: por trás da anedota de tecnologia antiga sempre espreita uma metáfora desconfortável — a de que tudo o que hoje nos parece sólido e indispensável, amanhã será apenas peça de museu, ou piada de estagiário. O mercado financeiro, por sinal, é especialista nesse truque de ilusionismo: transforma o eterno em descartável e o descartável em ouro reluzente, até que a próxima moda chegue para decretar obsolescência.
Um fax, já diria o aspirante a inventor visionário, nada mais é do que um e-mail analógico que exigia papel, linha telefônica e paciência zen. O que dizer, então, da nossa fé atual em aplicativos que prometem enriquecer com três cliques? Amanhã, talvez uma criança pergunte: “Esse era o app que ensinava adulto a gastar menos do que ganha? Nossa, que coisa pré-histórica!”.
Assim como o LP foi rebatizado de “CD gigante” e a fita cassete rebaixada a “pendrive analógico”, nossas crenças financeiras também vivem de batismos provisórios. A liberdade financeira virou slogan, a mentalidade milionária virou mantra, e o investidor disciplinado virou peça de marketing — até que um crash devolve todos ao berço esplêndido do pânico.
Quando o Velho se Disfarça de Novo
A ironia é que tecnologia obsoleta não desaparece: ela apenas troca de roupa e reaparece em memes ou como peça de design retrô. O mesmo acontece com teorias econômicas: repetem-se, como disco arranhado, sob novos nomes. A cada década, surge alguém com a ousadia de reinventar a roda e anunciar a fórmula definitiva: ora é a taxa de juros que salva o país, ora é o câmbio que faz milagres, ora é a startup que corrige todas as injustiças sociais com um aplicativo que ninguém pediu. No fundo, continuamos rodando em VHS: tentando dar play na embalagem sem jamais aparecer na tela, porque a fita só guarda estática.
É aqui que entra a sabedoria ancestral — aquela que não cabe em pitch de investidor nem em corte de TikTok. Como mostra Kanuma, o conselheiro de Mansa Musa no livro Mansa de Kamou Gedu: nada é mais velho e, ao mesmo tempo, mais novo do que a tríade entre prioridade, disciplina e paciência. Enquanto corremos atrás da novidade que evapora, os que seguram firme essas colunas silenciosas constroem riqueza que perdura.
O Vintage Como Estratégia
Curioso: aquilo que desprezamos como ultrapassado vira artigo de luxo quando colocado na prateleira certa. O LP voltou, e caro. A máquina de escrever, antes sucata, hoje é peça de decoração cobiçada. O mesmo se dá com certas práticas financeiras que soam tediosas, mas resistem ao tempo. Poupança sistemática, paciência com dividendos, diversificação sem glamour — tudo isso parece coisa de avô. Até que, décadas depois, descobrimos que o “pendrive analógico” sobreviveu mais do que os modismos digitais. O vintage financeiro se chama disciplina.
Kanuma já sabia disso, muito antes da nuvem e dos algoritmos. Ele ensinava que a fortuna não floresce em quem busca atalhos, mas em quem tem a coragem de cultivar sementes invisíveis — uma parte reservada de cada ganho, o cuidado de transformar cada moeda em renda, a paciência de esperar que o tempo faça sua parte: O velho truque da disciplina, disfarçado de futuro, segue sendo a maior inovação de todas.
O Mercado Também Envelhece
E se o mercado fosse uma dessas crianças sinceras que olham para nossas relíquias? Talvez apontasse para o Tesouro Direto e dissesse: “Esse era o cofrinho digital que fazia adulto sentir que tinha independência financeira?”. Ou para os fundos imobiliários e perguntasse: “Nossa, então vocês dividiam aluguel de shopping como se fosse figurinha?”. A inocência infantil tem a vantagem de revelar o ridículo escondido na normalidade.
Não é preciso esperar vinte anos para perceber que certas práticas de hoje são piadas de amanhã. Basta reparar na ânsia com que vendemos soluções “revolucionárias” que só reorganizam a fila do caixa. Chamamos de inovação o ato de complicar o óbvio: aplicativos que oferecem crédito para quem não consegue pagar a fatura, cartões que “ensinam” a poupar cobrando taxas para segurar seu próprio dinheiro. É como vender um “DVD com carregador” a quem já tem uma fita VHS empoeirada.
O que envelhece rápido é a ilusão de que há prosperidade sem disciplina. O que permanece é o que Kanuma repetia: a riqueza verdadeira é paciente, coletiva e generosa
Moral da História (Sem Moralismo)
A beleza dessas piadas de tecnologia antiga é que elas nos lembram, com humor involuntário, que tudo caduca. Inclusive certezas financeiras. O que parecia imutável ontem hoje é piada de PowerPoint. E, quando menos esperamos, o que era tratado como excentricidade volta com ares de sabedoria. Talvez a lição não seja correr atrás do novo, mas aprender a rir do velho — e reconhecer que a disciplina é menos glamourosa que um robô aspirador vintage, mas muito mais útil quando as contas chegam.
No fim, a economia é esse rádio antigo na sala: alguns acham que é um modelo de aspirador-robô, outros de peça de museu. Mas, se ligado, ainda funciona. O problema não está no rádio, mas na nossa incapacidade de ajustar o 'dial' para sintonizar o essencial.
E você, leitor ou leitora elegante que chegou até aqui: qual será a próxima relíquia do mercado? Qual produto financeiro de hoje vai virar piada de amanhã?
Porque uma coisa é certa: o “Google geriátrico” pode travar, mas a memória curta do investidor é eterna.
Um Elogio Discreto (Mas Intencional)
É justamente contra essa memória curta que recomendo, sem cerimônias, o mergulho em Mansa: Segredos de Sabedoria Ancestral para Riqueza que Perdura, de Kamou Gedu. Não porque seja modinha ou “ferramenta disruptiva”, mas porque é raro encontrar um livro que resista ao teste do tempo e converse com o presente com a mesma naturalidade com que fala do passado. Kanuma, em sua serenidade firme, mostra que riqueza é menos sobre ter e mais sobre permanecer. Um convite que, se levado a sério, pode transformar não só sua carteira, mas sua biografia.
P.S. Mansa pode ser encontrado na Amazon e também na editora Uiclap — e não, isso não é propaganda. É só uma piscadela cúmplice de quem sabe que certas leituras valem mais que qualquer rendimento.
—Ho-kei Dube
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