O Amor em Tempos de CDI: Por Que Minha Carteira Apanha Mais que Eu no Jiu-Jítsu (e Ainda Assim Eu Sorrio)
Sim, eu sei. Está difícil amar o longo prazo. Ele não responde suas mensagens, ignora seus gráficos, some por semanas e, quando reaparece, traz um boletim de desempenho que faria qualquer trainee de fundo ser devolvido à prateleira do LinkedIn com etiqueta vermelha de “recolhimento imediato”.
A tentação da renda fixa está por todos os lados. Sedutora. Rentável. Silenciosa. Ela não grita, não oscila, não desafia seu coração. Entrega dois dígitos sólidos ao ano como quem entrega flores — mas flores artificiais, sem cheiro, sem espinhos, sem alma. E você, pobre sonhador de dividendos, começa a se perguntar: “Pra quê correr esse risco, se posso ganhar com paz e sem Prozac?”
Ah, meu bem... senta que lá vem a carteira.
Uma Carteira que Derrapa, mas Não Desiste
Vamos aos fatos: minha carteira, aquela que tanto defendo com o fervor de quem acredita em reencarnação, tem tomado mais rasteira que iniciante em campeonato de capoeira. Nos últimos 12 meses:
– Metade dos meses perdeu para a inflação.
– Vários ficaram abaixo do CDI.
– Alguns foram humilhados pelo Ibovespa com a sutileza de um ex-namorado passivo-agressivo.
Se fosse uma funcionária, teria sido dispensada com uma carta de recomendação que começa com “tem boa vontade”. E se fosse um namorado, minha mãe já teria dito: “filha, você merece alguém que te valorize”.
Mas é aqui que entra a parte deliciosa da tragédia: mesmo com esses números mais feios que previsão de PIB em ano eleitoral, os dividendos seguem crescendo. Sim, minha carteira é aquela aluna que repete o ano mas ganha o concurso de redação. Tem dificuldade na média aritmética, mas escreve poesia e lê balanço trimestral.
O Retorno que Realmente Importa
Outro dia, numa daquelas conversas financeiras que deveriam render terapia de grupo, alguém me perguntou: “Mas por que você ainda insiste nessa estratégia se a renda fixa está bombando?”
Eu respirei fundo, recostei na poltrona e respondi com o ar de quem já perdeu dois ônibus e um IPO: “Porque minha aposentadoria não será paga por gráficos, mas por renda. Renda real. Recorrente. Tangível.”
Sim, a carteira oscila. Sim, o preço cai. Sim, o Instagram de day traders parece mais próspero que meu extrato. Mas quando os boletos chegam — e eles sempre chegam com a pontualidade de uma sogra crítica —, é o fluxo de caixa que responde. E esse, meus caros, tem subido como fermento de pão bem sovado.
Inflação Não se Combate com Desespero
Vamos ao ponto central: sua carteira vai perder para o IPCA em alguns meses. Vai apanhar do CDI. Vai se esconder atrás do Ibov e fingir que não é com ela. Isso é normal. É o equivalente financeiro a um dia ruim de cabelo. Você não joga a escova fora por isso — apenas prende num coque e segue o baile.
O problema é o imediatismo. Vivemos cercados de comparações semanais, influencers com rentabilidades de PowerPoint e gurus que só operam com o gráfico já encerrado. E aí você, inocente, começa a duvidar do que construiu.
Mas veja: ninguém planta uma árvore e cobra sombra no dia seguinte. Você aduba, rega, espera. Depois de alguns anos, ela te dá sombra, frutos e até um lugar para amarrar a rede.
Os Cabelos Brancos Valem a Pena (Sim, Mesmo Aqueles Que Caem)
Sabe aquele cansaço de quem viu o real ser desvalorizado, o impeachment televisionado na casa da prima distante e a revolução digital chegar antes da reforma tributária? Pois bem: ele ensina. Porque no fim, é nos ciclos longos que a mágica acontece.
A volatilidade do mês não define o futuro de uma empresa sólida. O lucro, sim. A geração de caixa, sim. A consistência em pagar dividendos, sim. E adivinhem quem permanece firme quando a Selic se agita como adolescente em crise? As empresas que produzem energia, distribuem água, que alicerçam o sistema financeiro, ou produzem grãos, alimentos e materiais essenciais... Essas seguram o patrimônio e não dependem de modismos de mercado.
Riqueza Não é um Pico. É uma Planície Sustentada
Aos que ainda acreditam que riqueza se mede em rentabilidade de 12 meses, deixo um convite: olhem para os fluxos. Para os boletos pagos com dividendos. Para a tranquilidade de não depender de PIX de emergência.
A construção de patrimônio não é um sprint. É uma travessia de deserto, com miragens, tempestades de areia e, ocasionalmente, um camelo chamado “ações ON” que te joga no chão. Mas se você tiver um cantil de paciência e uma bússola chamada disciplina, chegará à fonte. E ela jorra renda passiva com gosto de missão cumprida.
Seja o Gestor da Sua Crença, Não da Sua Ansiedade
Não delegue sua estratégia ao humor do mercado. Ele é como aquele tio do churrasco: fala alto, erra previsões e muda de opinião com a mesma velocidade com que troca a cerveja pelo refrigerante diet.
Ajuste sua carteira quando fizer sentido, e não porque o noticiário ficou sombrio. Mantenha os aportes quando os outros recuam. Reforce sua tese quando todos perdem a fé. E, sobretudo, ria — porque a lucidez ácida exige leveza.
Conclusão: O Dividendista Não Corre. Ele Caminha com Elegância
Enquanto os mercados se agitam como novela mexicana, e a renda fixa distribui chocolates com veneno de sedentarismo, o investidor previdente segue seu caminho. Ele sabe que não é no pico de rentabilidade que se constrói a liberdade. É na constância da estratégia, na repetição da disciplina, no abraço diário aos fundamentos.
E se alguém, de fora, ainda insiste em perguntar “por que você continua nisso, mesmo com a Selic nos céus?”, sorria e responda com estilo:
— Porque eu não invisto pra impressionar no gráfico de pizza. Invisto pra não depender de ninguém no fim do mês.
E se a carteira der uma rasteira, que seja com dividendos no bolso e dignidade nos olhos (ou no que sobrou deles).
— Ho-kei Dube
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