Fatia da Mente ou Farsa do Marketing? — Por que a Coca é mais eterna que sua aposentadoria?
Onde mora o dinheiro? Na mente, meu bem.
Você já se perguntou por que uma criança de três anos reconhece o logotipo de uma empresa antes de conseguir escrever o próprio nome? Não é bruxaria, tampouco talento precoce. É marketing, é domínio, é ocupação de território — e o território em disputa é o córtex pré-frontal da sua inocência.
Sim, meu caro leitor: o que move bilhões em ativos e dividendos todos os dias não é a tecnologia por trás do produto, nem a suposta “inovação disruptiva” celebrada em eventos de gente muito pálida com blazer azul-marinho. O que importa é o que essa marca evoca — não no balanço, mas no seu cérebro.
Isso mesmo. O mercado, que adora simular racionalidade, é um eterno refém de um fenômeno profundamente emocional chamado fatia da mente. Você pode até esquecer o que jantou ontem, mas vai lembrar da musiquinha da Disney até cansar de pedir música no Fantástico.
Coca no topo da muralha, e você no rodapé da planilha
Tem gente que acredita que Coca-Cola é refrigerante. Pobres almas. Coca-Cola é um rito. Uma cápsula de memória líquida vendida gelada, aonde quer que você vá.
Já teve gente que achou uma Coca à venda no alto da Muralha da China. E não era contrabando. Era logística. Era imperialismo com gás. Era branding com código de barras.
Durante a Segunda Guerra, um general americano ordenou que “cada soldado tivesse uma Coca-Cola a um braço de distância”. E o que a empresa fez? Mandou um boletim? Não. Ela construiu fábricas em zonas de guerra. Enquanto você hesita em comprar um segundo freezer, a Coca montava linhas de produção entre trincheiras. Resultado: milhões de soldados voltaram para casa achando que patriotismo e Coca-Cola vinham na mesma embalagem.
E cá estamos nós, décadas depois, ainda pagando para beber açúcar marrom com memórias embutidas.
Disney: a babá mental dos seus filhos
Se você é pai, mãe, tia, tutor ou qualquer humano responsável por um pequeno ser barulhento, sabe bem: quando a paz doméstica entra em colapso, você apela para ela. A babá digital de orelhas redondas. A empresa que fez de um rato uma entidade quase religiosa. Disney.
Não importa quantos concorrentes surjam. Não importa quão mais barato, moderno ou educativo seja o vídeo do aplicativo rival. Quando o caos se instala, você vai clicar naquilo que te dá garantias emocionais: uma princesa que canta com passarinhos e resolve traumas com canções.
Disney não é uma empresa. É um sistema nervoso alternativo conectado à infância global.
Mas e você, onde está a sua fatia?
Aqui entra a parte interessante. Porque enquanto Coca-Cola conquista muralhas e Disney coloniza infâncias, você ainda está tentando entender por que suas ações caíram 12% depois daquele “rebranding estratégico” da empresa de moda tech que prometia “desmaterializar a experiência do varejo”.
Não se culpe. A maior parte do mercado é treinada para analisar planilhas, não para entender símbolos. Mas dinheiro de verdade — aquele que envelhece bem e não depende do humor do CEO — nasce de posicionamentos mentais inabaláveis.
Você pode analisar retorno sobre patrimônio, margem EBITDA e outros jargões de escritório refrigerado. Mas se não entender o que o consumidor vê — ou melhor, sente — ao ouvir um nome, estará sempre especulando, nunca investindo.
A falácia da novidade e a morte por esquecimento
Já ouviram falar da Kodak? Era a dona da mente fotográfica do mundo. Tinha a fatia, o garfo, o prato e a sobremesa. Perdeu tudo por arrogância.
Acha que marca consolidada não quebra? Pergunte à Blockbuster. Pergunte à Nokia. Pergunte à sua coleção de DVDs que hoje serve de apoio para o roteador.
A fatia da mente é como a atenção de um gato: preciosa, mas fugidia. Uma marca que para de alimentar seu significado morre. Não importa se já foi amada. O passado, no mercado, é um bairro sem coleta de lixo.
Você não compra barato. Você compra significados
Você acha que paga R$7,00 numa Coca porque é “o preço justo”? Não. Você paga por um conjunto de memórias afetivas, marketing emocional e promessas de felicidade carbonatada. Você acha que investe numa ação porque ela tem bons fundamentos? Talvez. Mas na maioria das vezes, você investe porque acredita que os outros também acreditam que aquilo ali é algo confiável.
No fundo, a maioria não quer o mais barato. Quer o que “tem significado”. O que “tem nome”. O que “dá certo”. O que “não dá vergonha de dizer que comprou”.
E é aí que mora o valor de verdade. O valor que atravessa gerações. Aquele que, se comprado com margem de segurança, se transforma no ativo mais resiliente da sua carteira — e talvez do seu testamento.
Nem sempre o melhor investimento é um gráfico — às vezes é uma metáfora
Você pode gastar horas tentando cravar o ponto ótimo de entrada de uma ação, medir o risco beta, destrinchar o guidance da empresa. Mas no fim das contas, tudo isso é só uma forma sofisticada de tentar adivinhar o futuro com um compasso de criança.
Agora experimente observar o mundo como uma grande narrativa. Marcas são personagens. Mercados, enredos. Ciclos econômicos, reviravoltas de roteiro. E você, investidor incauto, é o leitor que precisa aprender a diferenciar protagonistas de figurantes.
O segredo? Invista onde mora a história que as pessoas querem contar.
Onde mora o mito. O símbolo. O arquétipo.
Porque, no fim, é isso que se consolida. O que sobrevive à bolha, à moda, à taxa de juros. O que passa de geração pra geração com aquele sorrisinho de quem diz: “Essa aqui é segura, meu filho. Vai com ela.”
Afinal, qual é a sua fatia? E qual é o seu preço?
Toda essa história de "fatia da mente" pode parecer distante para quem ainda acredita que prosperidade vem só de planilhas equilibradas e planos mirabolantes de independência financeira aos 35.
Mas me diga: quantos de seus gastos mensais são motivados por lógica? E quantos vêm daquilo que você reconhece sem esforço, confia sem pensar, consome sem culpa?
Você se acha racional. O mercado acha também. E a marca? Ela sabe a verdade.
Se você não percebe que está sendo guiado por narrativas que nem são suas, talvez esteja pagando o preço de investir em empresas que só existem no papel — enquanto as verdadeiras campeãs estão tatuadas na psique coletiva.
A boa notícia? Isso vale também para você.
A pergunta não é só qual marca você deveria comprar. É: qual marca você está construindo com sua vida?
Qual é a sua fatia da mente no coração dos outros?
Epílogo para mentes inquietas e olhos fechados (por opção ou destino)
Sim, minha querida leitora, meu querido leitor eu sei que o mercado financeiro te trata como um número. Como uma planilha ambulante que deveria decorar fórmulas de valuation antes de entender o próprio extrato bancário. Mas respira.
Você não precisa ser “a mulher que investe como homem”. Nem o superman do “pague-se primeiro” que acorda às 4h pra correr ouvindo audiobook de coach.
Você pode ser simplesmente você: uma pessoa que pensa, ri, duvida e investe com a cabeça erguida — mesmo que não enxergue com os olhos.
Eu perdi a visão aos 44 anos. Mas ganhei lucidez. Lucidez para ver que o dinheiro é cego, sim — mas seletivo. Ele se gruda em quem sabe narrar bem sua própria história. E foge de quem se ilude com slogans alheios.
A Mente é o Novo Cofre
E aqui vai meu conselho final, daquele tipo que não rende em CDB, mas costuma render em vida:
"Invista naquilo que não precisa se explicar para ser lembrado."
Seja uma marca, uma memória ou você mesma. Porque, no fim das contas, quando tudo o mais desaba — moeda, governo, hype — o que permanece é o que habita o inconsciente coletivo com dignidade e presença.
E não, não estou falando de Coca-Cola. Estou falando de você.
— Ho-kei Dube
Quem precisa abrir os olhos é o dinheiro. Eu, queridos, enxergo com minha fatia da mente.
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