Grosseria é o Novo 'Pretinho Básico' nos Negócios: O mercado adora quem bate com classe, mesmo quando o conteúdo é zero
Já faz algum tempo que o mau humor virou item de luxo. Acessório de poder. Cravou assento na primeira classe do discurso, cruzou as pernas e pediu café sem açúcar — afinal, doçura seria um colapso de reputação.
Nas salas de reunião, nos grupos de investidores e nos palcos das redes sociais, a acidez virou moeda. E das mais valorizadas. Não se admira mais quem explica com paciência: admira-se quem “lacra” com velocidade. A verdade, coitada, não precisa mais de argumentos — basta uma resposta curta, atravessada e com sotaque de desprezo. Não precisa fazer sentido. Precisa humilhar com estilo.
Gente fina, elegante e sincera? Lamento, mas saiu de moda.
Hoje, o que se cultua é a figura do executivo sarcástico, do analista que responde com monossílabos, da coach que grita. Pessoas com “inteligência verbal” que confundem cinismo com insight. Que acreditam que a grosseria dá lastro à credibilidade. Como se ser cruel fosse a versão emocional do “skin in the game”.
O problema — e ele é grande — é que confundimos eloquência com violência verbal. Confundimos autenticidade com falta de filtro. E, pior: chamamos isso de coragem. Como se coragem fosse atropelar o outro no argumento, e não sustentar um pensamento com escuta e convicção.
Nas finanças, então, o veneno virou verniz.
Basta uma vírgula dita com sarcasmo para parecer que alguém entendeu o mercado melhor que os outros. Você já deve ter visto essa personagem: o investidor que desfaz da dúvida alheia com ar de deboche. O consultor que ri da pergunta como se ela não merecesse existir. O assessor que pontua: “Se precisa de garantia, não deveria estar investindo.” Como se humildade cognitiva fosse incompatível com resultado.
Aliás, essa é a tragédia contemporânea: a inteligência virou caricatura. E a caricatura, um espetáculo. O bom humor foi sequestrado e vestido de mau gosto. E agora desfila como se fosse sabedoria.
Gente amarga anda desfilando no mercado com crachá de “realista”.
Já percebeu?
Quanto mais cínico, mais “maduro”. Quanto mais ríspido, mais “direto”. Quanto mais desrespeitoso, mais “transparente”. O mercado financeiro parece ter fundado um clube de frases curtas e egos longos. Onde a empatia é confundida com fraqueza, e a delicadeza com incompetência.
Mas será que é mesmo preciso azedar o ambiente para parecer capaz?
Será que o sarcasmo é mesmo prova de lucidez?
Ou será que estamos apenas assistindo à ascensão de uma elite emocionalmente míope, que substituiu o conteúdo pela performance do desdém?
Há uma diferença abissal entre ironia inteligente e grosseria performática. Eu, que vivo da primeira, tenho pouco apreço pela segunda.
A ironia, quando bem usada, ilumina. Mostra o absurdo com leveza, costura crítica com elegância. A grosseria, por sua vez, atinge — mas não constrói. É como jogar sal numa ferida que não se quer curar: só sangra mais.
E por falar em sal, é bom lembrar: sarcasmo demais embriaga a língua e entorpece o pensamento. Vicia. Como quem usa pimenta para mascarar a ausência de tempero.
Mas o que explica esse fetiche coletivo pela rispidez?
Talvez seja o medo de parecer tolo. Ou o medo de parecer vulnerável. Em um mundo que exige prontidão emocional e assertividade econômica, ser gentil parece um risco. Ser leve, um luxo. E ser educado… um ato de resistência.
Nos círculos de poder, principalmente financeiros, é comum que o silêncio seja interpretado como fraqueza. Que a hesitação seja punida com deboche. E que o erro seja usado como munição.
Por isso, aprendemos a levantar a voz antes que alguém a derrube. Aprendemos a rir dos outros antes que riam de nós. E a ridicularizar, no impulso, o que não conseguimos entender de imediato.
Resultado?
Um mercado cheio de investidores com cara de poucos amigos e carteiras ansiosas. Gente que passa o dia olhando gráficos com a mesma ternura com que se olha um imposto vencido. Gente que não faz perguntas — para não parecer burra. Que não reconhece incertezas — para não perder seguidores. Que não muda de opinião — para não parecer fraca.
O culto ao sarcasmo virou uma forma de blindagem. Um tipo de seguro emocional que protege contra o ridículo, mas também contra o afeto, a escuta, a humildade.
Talvez por isso eu incomode tanto.
Falar com humor refinado em tempos de gritos é quase um ato subversivo. Ser mulher, cega, crítica — e ainda assim não berrar — é quase uma heresia. Esperam que eu ataque. Que eu arranhe. Que eu seja uma versão cínica do ressentimento. Mas o que ofereço, como sempre, é outro tipo de lucidez: aquela que enxerga mesmo sem ver. Que critica mesmo sem destruir. Que ironiza sem machucar.
A verdade é que nem todo mundo grosseiro é autêntico. Nem todo mundo sarcástico é inteligente. Nem todo mundo “sincero” está dizendo algo verdadeiro. Às vezes, estão apenas com fome de atenção e sede de aplauso. Como um bufão cansado, que perdeu a piada, mas ainda tenta vender o número.
E no fim das contas, sabe o que sobra?
Uma bolha inflada de frases cortantes, perfis performáticos e decisões impulsivas — tomadas no calor de um ego ferido e não no frio da razão.
Como eu disse outro dia a um jovem gestor muito vaidoso, que me interrompeu com uma piada no meio de uma reunião: “Meu caro, nem toda tirada de efeito tem efeito de verdade. Às vezes é só tirada... de atenção.”
Se é possível ser firme sem ser cruel? É.
Se é possível ser engraçada sem ser arrogante? Claro.
Se é possível ser crítica sem ser vulgar? Sempre.
E é por isso que sigo. Com meus textos cheios de acidez bem temperada, meu bastão branco dobrado ao lado da cadeira e minha lucidez afiada como um limão que sabe que arde, mas também cura.
O mercado ainda acredita que a franqueza precisa gritar.
Eu sigo sussurrando verdades. Mas com elegância.
E quem não entender, que grite sozinho.
— Ho-kei Dube
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