Errar o Caminho Ensina Mais do que o Destino: Quem só segue o mapa, perde a geografia dos erros que enriquecem.

Nunca fui fã de roteiros turísticos — esses manuais sentimentais que tentam dar conta do imprevisto com planilhas coloridas, reservas antecipadas e esperanças inflacionadas. Preferi sempre uma pitao caos com alguma bússola. E isso vale para viagens, para a vida — e principalmente para investimentos.

Planejamento? Sim. Mas com modéstia. Aquelas pessoas que montam Excel com horário de pôr-do-sol e cotação do dólar paralelo para cada bairro que pretendem visitar são, em geral, as mesmas que sofrem três colapsos nervosos quando o voo atrasa. São também, com frequência, as que desistem de investir após o primeiro tropeço do Ibovespa, como quem abandona o cruzeiro porque choveu no segundo dia.

Não é o imprevisto que arruína o trajeto. É a expectativa domesticada.
Se a viagem perfeita não rende crônica, o investimento imaculado também não rende sabedoria.

O Estranho Conforto do Desvio

Você começa achando que vai para São Caetano — mas descobre tarde demais que era o do Sul, e não o de Odivelas. Ou então digita “Porto Alegre” no Google Maps e acorda no Pará, onde o calor é outro e os mosquitos, snipers treinados por fuzileiros implacáveis. Literalmente ou metaforicamente, é a história de qualquer investidor que já olhou para a carteira e pensou: “Esse endereço não foi o que eu coloquei no GPS”.

Mas é aí que começa a experiência — e não na foto do Mercado Ver-o-Peso. É nesse descaminho que a gente aprende a diferença entre risco e ruído. Entre preço e valor. Entre o que você queria da vida e o que a vida queria de você.

Tenho carinho especial pelas ações que comprei em momentos tortos. Algumas estavam malcheirosas no mercado — como aquela cabine lacrada do teleférico em Quito que só melhora depois do enjoo e um chá estimulante de erva nativa. Outras, prometiam glamour e entregaram um pão com traços de alguma coisa que lembraria geléia. Mas ficaram. E renderam histórias. E dividendos.

Aliás, se a vida te servir um ensopado de tom pastel não identificado, engula com compostura. Pode ser oportunidade. Pode ser toxina. Mas ao menos vai render um bom texto — e talvez, no futuro, um patrimônio.

O Planejamento é Inimigo da Lucidez (quando exagerado)

Na minha juventude financeira, tive meu momento “roteiro perfeito”. Aquela ilusão de que, com conhecimento técnico e planilhas robustas, era possível eliminar o erro. Como se disciplina bastasse para blindar o portfólio da tolice humana.

Grande engano. O mercado é um ônibus turístico conduzido por um motorista com muita certeza e nenhum roteiro. Você pergunta, em meio aos arredores de Roma, em que ponto deve saltar para visitar as catacumbas — e ele, seguro, resoluto e um tanto quanto soberbo, dispara em italiano: “Te lo dico io”. Algo como “eu te aviso”, só que não. O ônibus para numa viela erma, deserta, e os únicos passageiros somos nós. O motorista sai e deixa as portas abertas — e o silêncio. Esperamos. Nada. Descemos. Ninguém. Após alguma hesitação, começamos a vagar pelo local até que, semi-oculta por uma trepadeira tímida, lá estava a plaquinha: Catacombe. E não era qualquer uma. Era a de São Sebastião, aquele mesmo que, por não renegar sua fé, foi flechado até a morte e sepultado nas profundezas. Acima das catacumbas escuras, uma igreja clara levava seu nome. Eis o mercado: promete direção, entrega abandono; vende clareza, entrega labirinto; mas às vezes, mesmo no perrengue, você encontra São Sebastião.

O que você faz, então? Vira o rosto para o sol, respira fundo o ar, ou o fedor do momento, e segue.

Planejamento, sim — mas com espaço para o improviso, o erro, a surpresa. Até porque o verdadeiro patrimônio se constrói justamente nesse intervalo entre o susto e o riso. Entre a gafe e o ganho. Entre a queda e a manutenção da compostura.

O Investidor é um Turista do Tempo

Investir é comprar passagem para um destino que você não vai visitar hoje. É aceitar o tédio do trajeto, o atraso do voo e o cheiro estranho da cabine sem pular fora na primeira turbulência.

É manter ações de uma empresa que ninguém quer tocar, justamente porque você sabe que a cotação está amassada por impaciência — e não por incompetência. É ver seu preço médio cair como efeito colateral de uma estratégia maior, que nunca foi sobre o preço em si, mas sobre a quantidade de assentos que você quer no trem do futuro.

Recompro ações como quem junta cartões-postais de uma cidade que ainda vai florescer. E quando me perguntam se não é desgastante insistir numa tese enquanto todos parecem rir de você, respondo com ironia serena:

“Eu não coleciono gráficos. Coleciono histórias. E essas, sim, fazem patrimônio.”

O Desvio Como Estratégia

O perrengue não é só aceitável. Ele é pedagógico.

Empresas erram. Gestores escorregam. E o mercado inteiro, vez ou outra, vomita como colegial em excursão. Ninguém escapa do vexame. Mas poucos sabem rir depois.

Aliás, desconfie de quem só te mostra as fotos boas da viagem — aquelas com filtro brilhante e legendas edificantes. Gente que nunca investiu mal, nunca caiu em armadilha de liquidez, nunca sentiu o bafo de uma crise cambial, ou nunca admitiu: “fui ingênua”. Essas pessoas ou mentem — ou nunca saíram de casa.

A jornada financeira, como a turística, tem que feder um pouco, atrasar um tanto, emburrecer em algumas paradas e encantar em outras. O contrário disso é propaganda institucional. Ou neurose de controle.

Se o Guia Não Errar o Caminho, a Gente Não Aprende Geografia

A beleza dos erros está justamente em nos obrigar a olhar para o mapa com mais respeito. Não com medo. Mas com humildade.

Aquela empresa que parecia impecável e revelou-se um desastre foi, talvez, a sua melhor professora. Aquele fundo que derreteu em cinco meses ensinou mais sobre gestão de risco do que qualquer MBA de verniz importado. E aquele conselheiro de investimentos que insistia que a bolsa ia subir eternamente… bem, esse te ensinou a fugir de gurus com muita certeza e pouco ceticismo.

Errar com pouco é uma benção. Persistir com método é um milagre. Aprender com os dois, aí sim, é riqueza.

O Dinheiro Também Ri da Gente

Investir é, às vezes, aceitar que o mercado tem um senso de humor sádico — e refinado. Como um taxista que te larga no bairro errado e ainda arremata com um cortês “you’re welcome”. Como um guarda-parque que apita com fúria ancestral e aproveita o susto para lhe dar um sermão, tudo porque você, inocente e fotogênica, subiu numa pedra na Ilha de Páscoa para posar ao lado de um Moai — sem saber que o tal pedestal era, na verdade, um túmulo ancestral que você acabara de profanar em nome do ângulo perfeito e da ignorância ilustrada. Ou como aquele corretor sorridente que prometia estabilidade suíça e entregou uma montanha-russa coreografada com volatilidade tropical e piruetas em câmera lenta. O mercado ri da sua pose — e do seu portfólio.

Você entra achando que vai tirar uma foto, sai acusada de profanação. Entra achando que vai à São Caetano do Sul, desembarca no Pará. Compra ações achando que vai colher tranquilidade e colhe confusão. Mas o que importa não é onde você chegou, e sim o que você aprendeu no caminho.

Quem sai limpo demais da viagem provavelmente não aprendeu a viver. Quem sai ileso demais do mercado, provavelmente nem entrou.

Conclusão: O Sofá Não Ensina Nada

O sofá é confortável, mas não educa. A zona de conforto é uma cápsula estéril — boa para preservar a ignorância, mas péssima para multiplicar o capital.

E se o roteiro da sua vida financeira estiver impecável demais, talvez valha a pena perguntar: será que você não está apenas visitando os mesmos lugares com medo de sair da rota?

A riqueza — a verdadeira, aquela que não se mede só em dígitos — mora no imprevisto. No dia em que você decide comprar ações enquanto todos vendem. No instante em que o perrengue vira aprendizado. No momento em que o erro vira crônica — e você vira autora da própria história.

Porque investir, afinal, não é sobre eliminar riscos. É sobre escolher com elegância quais perrengues você está disposta a viver.

E eu, meus caros, escolhi os meus com classe. Com sarcasmo. E com dividendos.

— Ho-kei Dube

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