Dormir Tranquilo, Mesmo Sem Wi-Fi (e com o Mercado em Convulsão)

Dizem que não se deve dormir com o inimigo. Eu, pessoalmente, prefiro dormir com dividendos. Eles roncam pouco, não mudam de humor com as manchetes da Bloomberg e, sobretudo, não ligam se você está offline por uns dias na Cordilheira ou sem 4G na Serra do Cipó.

Foi o que aconteceu comigo na semana passada: oito dias de exílio voluntário em regiões onde o vento sussurra mais que o WhatsApp apita, e onde o conceito de "conexão" remete mais a pedras e rios do que a apps e pregões. Em pleno detox digital, mergulhei numa realidade alternativa onde ninguém sabia quanto fechou o Ibovespa e, pasmem, todos sobreviveram.

Confesso: não olhei uma cotação sequer. Nenhuma. Zero. O mundo podia estar em chamas (spoiler: está) e minha carteira de investimentos... continuava intacta, produzindo renda. Como uma cafeteira silenciosa ligada na tomada, mesmo sem barulho, ela seguia trabalhando. E foi nesse cenário de isolamento bucólico que eu me lembrei: é para isso que serve uma carteira sólida. Para deixar você livre do pânico e dos gráficos histéricos.

Se você ainda mede sua estratégia pelo frisson do F5 ou pela dopamina do day trade, talvez ainda não tenha entendido que investir é um verbo para conjugar em voz baixa. Não é sobre estar certo hoje, é sobre estar tranquila amanhã. E dormir como uma esfinge sem se abalar se o tal do "mercado" decidiu ter um chilique coletivo às 14h42 de uma quinta-feira.

Sim, há quem entre e saia de empresas como se fossem salas de bate-papo nos anos 2000. Mas quem tem uma carteira raiz, daquelas que você constrói como se estivesse plantando oliveiras, sabe que a pressa é inimiga não da perfeição, mas dos proventos. E mais: sabe que o preço é uma histéria temporária; o valor, uma teimosia permanente.

Durante minha reclusão, meus ativos continuaram sendo... eles mesmos. Continuaram alugando infraestruturas, distribuindo energia, vendendo cimento, transportando coisas ou coletando dados. Não houve desvio de função. E o dividendo, esse cavaleiro silencioso da minha independência, não precisou da minha aprovação para pingar.

A verdade é que, se você não consegue passar uma semana sem "ver como estão suas ações", talvez você não tenha ações. Tenha distrações caras.

Não é desinteresse, é confiança.

E aqui, deixo um lembrete suave: o tal do Yield on Cost — essa métrica que os sofisticados gostam de sussurrar em conferências e os oportunistas fingem entender — é, para mim, como um vinho guardado na adega da paciência. É o percentual que você recebe hoje, não sobre o preço atual da ação, mas sobre o valor que você pagou quando o mundo dizia que aquela empresa estava cafona.

Ou seja: se você comprou uma ação por R$ 10 e hoje ela paga R$ 1 de dividendo anual, seu Yield on Cost é de 10%, ainda que a ação esteja valendo R$ 20 no mercado. Os apressados dirão: "Mas e o yield atual?" Eu respondo: "Não estou vendendo. Estou vivendo."

Com o tempo, uma carteira dessas vai se parecendo com um jardim de bonsais: discreta, paciente e profundamente generosa. Cada corte de cupom, cada notificação de provento é como um pequeno fruto maduro de uma árvore que você plantou anos atrás. E que segue ali, à sombra das tragédias midiáticas, crescendo em silêncio.

Os preços das ações? Oscilam como humor de adolescente. Os dividendos, esses sim, são o verdadeiro caráter da empresa.

Por isso, enquanto o Mundo estava às voltas em discussões protecionistas, disputas territoriais e taxas de importação, eu estava tomando um café forte com gosto de terra vermelha e pensando no quanto gosto da ideia de estar plantada num modelo de investimentos que não depende da minha presença constante para funcionar.

Claro, não falo aqui de abandonar os estudos ou de fingir que o mercado é um ser inofensivo. Falo de montar uma estratégia que funcione inclusive enquanto você vive. Que você confie o bastante para não perder sua sanidade ao se afastar do home broker por uns dias.

E sim, enquanto uns surfam a adrenalina de virar milionário em um mês, eu sigo devagarinho, coletando pedaços de futuro a cada três meses, com o mesmo entusiasmo de quem recebe uma carta escrita à mão. Porque a renda passiva é isso: uma carta de amor de você para você mesma, escrita com tinta de paciência e selada com consistência.

Ao final da viagem, voltei com espírito mais leve, repleta de memórias e uma certeza no peito: minha carteira também tirou férias. E mesmo assim, trabalhou. Que inveja de mim.

E você? Aguenta uma semana sem saber quanto fechou a DUBE3? Ou precisa que o mercado valide sua existência a cada manhã, com os sinos do pregão substituindo o café da autoestima?

Talvez a verdadeira liberdade financeira não esteja em comprar tempo. Mas em esquecer que o tempo está passando.

— Ho-kei Dube

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