A Preguiça Está Em Alta — E o Esforço, em Liquidação (Como Vencer no Século da Preguiça Quando Pensar Vira Ativismo e Estudar Vira Revolução)
Provocação: No supermercado do comportamento, o cérebro virou freguês do prazer imediato — e o pensamento racional saiu de férias (sem previsão de volta)
Se você chegou até aqui, parabéns. Já percorreu mais palavras do que boa parte da humanidade aceita digerir sem açúcar, sem meme e sem emoji. Não estranhe se o cérebro chiar: leitura prolongada, hoje em dia, é quase uma dieta de guerra.
Há quem diga que estamos mais informados do que nunca. Pode ser. Mas informação não é vacina contra burrice — tampouco contra compulsão. Aliás, em tempos de vigilância hiperdopaminada, saber o certo e fazer o oposto se tornou o novo normal. Não por maldade, nem por ignorância. Mas por covardia bioquímica.
Somos criaturas sofisticadas com hábitos de lagartixa. Racionais só quando o neocórtex está disposto — o que, sejamos honestas, anda raro. A verdade? Ninguém mais quer pensar. Pensar cansa, pesa, demora. Dá sede e, pior, não viraliza.
O Cérebro Adestrado
Imaginem um cérebro dividido em três andares. No porão, um réptil ofegante cuida para que você continue vivo: respiração, batimento, fuga. No térreo, um mamífero ansioso rosna por carinho, conforto e carboidratos. No terraço, um primata sofisticado inventa argumentos, racionalizações e planilhas de Excel para justificar o fracasso da dieta. É neste último pavimento que a civilização mora — ou costumava morar, antes do aluguel emocional subir.
Essa estrutura metafórica tem nome, claro, mas não vamos entediar o leitor com jargões neurológicos. Basta dizer que, na prática, estamos deixando o neocórtex no modo avião. A camada responsável por adiar recompensas, resistir impulsos e tomar decisões com consequências futuras está, digamos, em home office desde a pandemia — e parece não querer bater ponto de volta.
Café, TikTok e Fritura
Tem gente que, mesmo após um infarto, não consegue incorporar uma caminhada na rotina. E nem estou falando de maratona: bastaria subir escadas sem parecer que vai pedir oxigênio no segundo degrau. Mas o cérebro prefere repetir o padrão, mesmo com a sirene da morte tocando ao fundo. A recompensa imediata vence. Sempre.
Isso não é desleixo. É padrão de funcionamento. Vivemos hoje num teatro comportamental onde todo mundo conhece o roteiro da peça — mas insiste em improvisar burrices entre os atos.
Clichês à parte, o mundo está mesmo mais preguiçoso. Ou, se preferir um eufemismo elegante: está mais imediatista, impulsivo e refratário ao esforço. Estudar virou sacrifício medieval. Esperar, crime hediondo. Planejar, coisa de dinossauro. E mudar de hábito? Ah, isso já foi reclassificado como tortura psicológica.
A Vontade de Nada
A questão não é a falta de conhecimento, mas a absoluta rendição comportamental à inércia. A pizza chega antes do raciocínio. O dedo desliza na tela com mais autonomia que a alma. A frase “não consigo viver sem meu celular” deixou de ser metáfora poética e passou a ser diagnóstico clínico.
Se antes bastava a morte bater à porta para que mudássemos um comportamento, agora ela precisa gritar, tocar interfone, mandar SMS e ainda assim pode ser ignorada. Estamos ficando insensíveis até à punição. Como aquele sujeito que toma choque toda vez que liga o chuveiro — mas continua insistindo, como se uma hora a física fosse ceder por compaixão.
E isso não vale só para fumantes, sedentários ou chocólatras compulsivos. A mesma lógica se aplica ao investidor que ignora dados, ao gestor que não lê relatórios, ao funcionário que não revisa o e-mail. Uma letargia funcional tomou conta da psique coletiva. Pensar virou esforço desnecessário. E, sejamos sinceras, esforço virou palavrão corporativo.
Preguiça de Raciocinar
Nas rodas do mercado, ainda se repete a ladainha meritocrática de que “quem estuda mais se destaca”. Pode ser verdade, mas isso diz mais sobre o estado geral da preguiça do que sobre qualquer excelência de fato. A média está tão baixa que basta um tiquinho de juízo e leitura para parecer um gênio. Não por ser brilhante — mas por competir com zumbis dopados de dopamina.
Hoje, quem pensa já larga com vantagem. Mas pensar exige gasto calórico. E, numa sociedade que transformou a queima de gordura em ameaça existencial, toda forma de esforço é vista com suspeita. Esforço virou antônimo de equilíbrio, produtividade e propósito.
Estamos treinando uma geração para buscar conforto e fugir do tédio como se fossem sinônimos de morte. Quando, na verdade, o desconforto é a única incubadora da maturidade. A criança chora quando não consegue o que quer. O adulto também — só que com mais justificativas e menos lágrimas.
Não é Falta de Tempo — É Falta de Tônus Mental
Você conhece gente que não estuda porque “não tem tempo”? Que não lê porque “o dia foi puxado”? Que não investe porque “é complicado demais”? Pois é. A falta de tempo virou desculpa universal para a falta de vigor mental. Mas todos esses mesmos indivíduos têm energia suficiente para maratonar cinco episódios de série ruim, assistir vídeos aleatórios e decorar coreografias de aplicativos. Tempo não falta. Falta coluna vertebral do pensamento.
O problema não é o vício em tecnologia. É o vício em recompensa rápida. O consumo excessivo de dopamina instantânea atrofia a musculatura da paciência, o fôlego da concentração e a dignidade de terminar um raciocínio.
É como se estivéssemos treinando nossos cérebros para gostar de ser burros. E o mercado, sempre atento, percebeu isso antes de qualquer doutor em neurociência. Afinal, o lucro mora na facilidade. Quanto menos você pensa, mais você compra. E quanto mais você compra, menos você questiona.
Os Donos do Sofá
Em tempos de inflação comportamental, o sofá virou trono. E o controle remoto, cetro. Mas o reinado da inércia cobra tributos altos: ansiedade, obesidade, dívidas, arrependimentos. A conta sempre chega — mesmo que parcelada em 36 vezes com juros de arrependimento.
Enquanto isso, gestores, educadores e investidores seguem repetindo o mantra do “foco” e da “produtividade”, como se bastasse repetir essas palavras para ativar o córtex pré-frontal de um país inteiro.
Mas a verdade é mais crua: a maioria das pessoas não está disposta a mudar. Não porque não saiba como. Mas porque não quer. Ou pior: porque desaprendeu a querer.
A Ilusão da Consciência
Vivemos sob o falso conforto de que “tomamos decisões conscientes”. Balela. A maioria das escolhas que fazemos são automáticas, repetitivas, e muitas vezes sabotadoras. O cérebro economiza energia como um contador sovina: gasta menos onde pode, mesmo que isso implique perder eficiência, saúde ou dinheiro.
E quando alguém aparece propondo mudança — uma dieta, um investimento de longo prazo, uma leitura mais exigente —, a reação padrão é o deboche, o tédio ou o scroll. Viramos uma espécie de plateia passiva que prefere a zona de conforto à zona de progresso.
Mas o problema de viver sempre no piloto automático é que uma hora a estrada acaba. E, nesse momento, ou você acorda — ou a vida bate o carro por você.
Reflexão Final — ou o Começo da Mudança?
Não se engane: mudar é possível. Mas exige barganha interna, consistência e a capacidade de suportar o desconforto de não ver resultado imediato. Exige, sobretudo, recuperar o músculo moral da responsabilidade — que andou atrofiado sob a anestesia da conveniência.
Mudar um hábito não é tarefa para seres iluminados. É tarefa para quem aceita a chatice de tentar. Quem compreende que o tédio é o intervalo entre o desejo e a recompensa. Quem se dispõe a agir mesmo quando a motivação some — porque sabe que nem toda virtude é emocionante.
O que diferencia o vício do hábito é a intenção. E o que diferencia o adulto da criança é a renúncia. Em tempos de prazer instantâneo e pensamento terceirizado, talvez a maior revolução seja recusar a anestesia da preguiça e voltar a habitar, com coragem, o incômodo da escolha.
P.S.
Você não precisa virar um monge da produtividade. Mas talvez seja hora de aposentar o sofá como divã existencial. Nem que seja para levantar, abrir um livro e lembrar que o pensamento, quando treinado, ainda é um dos últimos territórios onde a liberdade não foi algemada pelo algoritmo.
— Ho-kei Dube
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