Viver de Venda ou Viver de Renda? (A ilusão dos que se desfazem do patrimônio para pagar o cafezinho — e ainda chamam isso de estratégia.)
Imagine dois amigos que, por capricho do destino ou ironia das planilhas de Excel, chegaram aos sessenta anos com o mesmo valor investido: R$ 1 milhão. Não é pouca coisa. Não é fortuna hollywoodiana, mas também não é a merenda da escola pública. Um valor respeitável, digno de suspiros aliviados e algumas noites bem dormidas — dependendo, claro, do que se decide fazer com ele.
O primeiro amigo, vamos chamá-lo de Agenor. O segundo, por falta de criatividade ou excesso de homenagem, chamemos de Augusto.
Agenor, moderno, disruptivo e convencido de que os dividendos são coisa de aposentado amargurado e planilhas amareladas, decidiu viver vendendo um pedacinho de seu patrimônio todo mês. Afinal, dizia ele, com um sorriso branco de quem viu vídeos motivacionais demais: "Pra que dividendos se eu posso vender ativos? Dinheiro é dinheiro, minha cara. Fluxo é fluxo."
Augusto, por sua vez, é o tipo de sujeito que encara planilhas como se fossem haicais. Acredita que dividendos são o sussurro dos deuses da prosperidade — discretos, constantes e civilizados. Montou uma carteira com ativos que pagam, religiosamente, dividendos. Não são foguetes. São encanamentos de renda.
Pois bem, ambos precisam de R$ 8 mil por mês para viver. Nada extravagante, nada espartano. Uma vida que inclua padaria, um vinho ocasional e talvez uma assinatura de streaming onde possam ver o mercado desmoronar sem legendas.
Agenor segue sua estratégia. No primeiro ano, o mercado decide entrar numa ressaca. A bolsa cai 15%. No segundo, outro tropeço: menos 10%. No terceiro, uma estagnação constrangedora. Ele vende mês a mês seus ativos, como quem corta lascas de um tronco antigo esperando que ele continue em pé.
Ao final do terceiro ano, Agenor, que começou com R$ 1 milhão, já viu seu patrimônio minguar para algo em torno de R$ 680 mil. Isso se os ativos forem líquidos, e os spreads não forem grosseiros. E se ele resistir à tentação de vender mais para cobrir o aumento do plano de saúde. O patrimônio vira um sabonete molhado.
Já Augusto, com sua carteira de ações que rendem 7% ao ano em dividendos, recebe R$ 70 mil no primeiro ano. Isso dá cerca de R$ 5.833 por mês. Ainda não cobre tudo, mas ele complementa vendendo uma parte mínima do que falta. No segundo ano, reinveste parte dos dividendos, e os proventos sobem para R$ 74 mil. Ao final do terceiro ano, sem ter vendido quase nada, Augusto tem o mesmo R$ 1 milhão intacto — e um fluxo crescente que começa a cobrir suas despesas com cada vez menos esforço.
A diferença? Agenor acreditou que vender o próprio corpo financeiro em fatias finas era a chave da liberdade. Augusto, por outro lado, tratou seus ativos como vaquinhas leiteiras — não para o abate, mas para o fornecimento constante de sustento.
E aqui, meu caro leitor, entramos em um conceito que poucos dominam com elegância: o tal do Yield on Cost. Ou, traduzido para o idioma das avós sábias: quanto de leite sua vaquinha dá, comparado ao quanto você pagou por ela.
Augusto comprou ações por R$ 10 e passou a receber R$ 0,70 por ação. Seu yield de entrada é de 7%. Mas se essas ações sobem para R$ 20 com o tempo, e ele continua recebendo R$ 0,70, o mercado vê um yield de 3,5%. Só que Augusto, firme em sua cadeira de balanço, continua sorrindo: sua vaca, mesmo mais cara, ainda produz o mesmo leite.
O investidor que pensa em dividendos não está preocupado com a cotação da ação no dia da semana em que o ministro da economia tropeçou no microfone. Ele olha para a geração de renda. Está mais interessado na permanência do fluxo do que no sobe-e-desce hormonal do mercado.
Enquanto Agenor acorda todo dia para conferir o valor do patrimônio, Augusto acorda para receber um pix da empresa onde é sócio. Um manda flores para o mercado e reza para ela não ir embora. O outro, já tem aliança e conta conjunta.
Não, dividendos não são garantia de riqueza eterna. Há empresas ruins que pagam dividendos como compensação pela falta de futuro. Mas as boas, ah, as boas… essas são como aquelas tias que mandam bolos pela vizinha, mesmo sem você ter pedido.
E por que o mercado não ama tanto assim os dividendos? Porque eles não escalam como os memes. São discretos. São persistentes. São a antítese do trader gritando com três telas e uma Coca Zero na mão.
A cultura do "acumule, venda, torça" é sedutora, claro. Ela tem gráficos bonitos, vídeos com trilha sonora épica e promessas de liberdade aos 37 anos, em Bali, com um notebook e um coquetel. Mas a vida, meus caros, tem inflação, imprevistos e parentes que pedem dinheiro emprestado.
Dividendos são a arte da paciência sendo recompensada. São o aplauso silencioso do tempo.
E não há problema algum em vender parte dos ativos. Mas transformar isso na estratégia principal é como viver de vender os móveis da casa, esperando que o mercado imobiliário os valorize enquanto você dorme no chão.
Afinal, o verdadeiro investidor não quer apenas enriquecer. Quer envelhecer com dignidade, sem precisar decodificar a linguagem secreta dos gráficos em 'velas japonesas' para saber se pode comprar queijo naquele mês.
Quem vive de dividendos entende que a verdadeira liberdade não é acordar sem despertador. É acordar sabendo que o dinheiro, silenciosamente, continua trabalhando. É ter tempo para andar sem pressa, ouvir os outros com calma e, quem sabe, até escrever um blog.
Sim, viver de dividendos exige estudo, escolhas sensatas e, principalmente, resistência ao ruído. Não é receita para se exibir no grupo da escola. É filosofia de vida. Uma que prefere o som da chuva caindo ao barulho de foguetes subindo.
No final das contas, enquanto Agenor se preocupa com o valor residual de seu patrimônio e calcula quantos anos de vida ainda pode financiar, Augusto está mais interessado em qual empresa anunciará o próximo aumento de proventos.
E se você perguntar qual dos dois dorme melhor, saiba que não é questão de colchão.
É que quem planta dividendos, colhe silêncio.
E o silêncio, meus caros… paga um bom juro.
— Ho-kei Dube
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