Quando o Dinheiro Tropeça em Placas Solares e Não Pede Desculpas.
Imagine uma empresa elétrica sulista que, por décadas, bailou sozinha no salão das hidrelétricas, orgulhosa de sua herança líquida, com seus reservatórios cheios e dividendos transbordando. Uma matriarca dos rios. Até que a festa acabou — ou melhor, a água.
A crise hídrica de 2021 não apenas secou os reservatórios; ela secou a paciência dos investidores e lavou a maquiagem de sustentabilidade que muita empresa ainda usava para sair bonita na foto. Foi o desfile dos despidos. Os que dependiam exclusivamente das águas foram expostos como apostadores compulsivos em um cassino climático que já não respeita previsibilidade.
Uma dessas empresas, das mais tradicionais do setor, decidiu então reescrever sua própria história. Sem escândalo, sem performance. Apenas estratégia. E ousadia.
Primeiro, criou uma nova estrutura societária — uma holding elegante, que permite diversificar suas dívidas, escapar de antigos compromissos restritivos e se abrir a novos parceiros. Um banco de primeiríssima linha, desses que só sorriem em público quando têm bilhões no bolso, entrou com um desses $ com 'B' de Reais (se é que entendem minha brincadeira!) para financiar novos projetos eólicos e solares. A empresa passou a frequentar outros ambientes — menos dependente da agenda das chuvas e mais afinada com os ventos do semiárido nordestino, onde o céu parece estar sempre soprando oportunidades.
Mas transformar uma plataforma 100% hídrica numa orquestra renovável exige mais que boas intenções e belos discursos ESG. Exige capital. Muito capital. O plano é reduzir a exposição hídrica para menos da metade, apenas adicionando novas capacidades com vários gigawatts prontos para serem contratados assim que os parques forem energizados. Isso significa geração de caixa rápida — para quem tiver paciência.
Em 2021, uma oferta subsequente de ações levantou pouco mais de um bilhão de reais. As ações foram precificadas a um valor modesto — digamos, abaixo da autoestima de quem acredita na tese. Com esse caixa, a companhia desembolsou quase tudo no mesmo ano para dar vida a dois complexos de geração em regiões tropicais e ensolaradas onde, segundo dizem, o vento nunca tira férias.
Outros bilhões estão sendo investidos até os p´roximos anos. Ou seja: dividendos? Por ora, escassos. Mas não por incapacidade — por decisão. A empresa poderia continuar distribuindo um payout de mais de 100% sobre os projetos hídricos antigos? Poderia. Mas isso seria como manter uma casa em ruínas de pé com papel machê e promessa de coaching. Não se sustenta.
A queda no preço das ações reflete menos um erro e mais uma troca de público. Os acionistas que estavam ali apenas pelos dividendos gordos — e imediatos — se retiraram da festa. Foram para outros salões, onde o champanhe ainda é servido trimestralmente e a música toca no ritmo do presente. Estão errados? Não. Só têm prioridades diferentes.
Mas veja: o preço caiu. E o valor? O valor está sendo construído — nos alicerces, nas placas solares, nas turbinas, nas lâminas que giram nos céus escaldantes de um Nordeste reinventado em megawatts.
Não espero generosos percentuais (nem magros, diga-se de passagem) de dividend yield nos próximos anos. E não porque não consegue — mas porque não quer. Ela está trabalhando. Silenciosa, eficiente, desapegada do imediatismo. Uma dama reconstruindo sua casa.
Continuo investida. Discreta, mas convicta. Meu preço médio, herança de outros tempos, não me envergonha nem me orgulha — é apenas o retrato de uma travessia. Não foi meu negócio mais brilhante, tampouco minha ingenuidade mais cara. Foi aposta lúcida, daquelas que se mantêm em pé mesmo quando a plateia vai embora. E sigo. Porque os dividendos frustrados têm um dom maravilhoso: desalojam os apressados. E o mercado, que tanto se gaba de eficiência, é também mestre em escorregões de impaciência. Cada vez que as cotações são amassadas por mãos trêmulas, eu agradeço: os bons negócios — com gestão decente, previsibilidade de caixa e dividendos projetivos em linha crescente — vão ficando mais baratos.
Enquanto isso, foco no que importa: o número de ações. Sigo comprando mais, pouco a pouco, com elegância de quem não mendiga cotação, mas coleciona participação. E como efeito colateral deliciosamente indesejado, meu preço médio vai minguando, centavo por centavo — embora esse jamais tenha sido o objetivo. É apenas a consequência natural de quem não dança conforme o relógio do mercado, mas conforme a cadência do valor.
Porque eu não preciso que a ação suba amanhã. Preciso que a empresa respire bem, e respire longa, pelos próximos trinta anos.
E você, consegue esperar?
—Ho-kei Dube
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