Investidor ou Especulador? (Por que o Brasil insiste em jogar Banco Imobiliário com dinheiro de verdade)
Dia desses, revisitando meus alfarrábios — sim, aqueles cadernos invisíveis onde anoto o que os olhos não veem, mas o juízo, e o computador com leitor de tela, registra —, deparei-me com uma entrevista icônica do octagenário Luiz Barsi. Texto antigo, sim, mas com mais atualidade que muita newsletter novinha em folha. E como toda sabedoria bem envelhecida, o conteúdo me provocou a revisitar perguntas que insistimos em não responder. Afinal, estamos investindo ou apenas jogando moedas para o alto?
Vamos partir de um ponto pacífico — ou quase: o brasileiro médio não investe. Ele se arrisca, se emociona, se engana e, não raro, se lasca. Mas investir, com estratégia, paciência e visão de longo prazo? Ah, não, isso é para “os gringos”. Aqui, o sujeito compra ação como quem aposta no número da sorte na loteria da quermesse: com fé, camiseta da Seleção e aquele leve cheiro de churrasco queimado da véspera.
Não é à toa que Luiz Barsi — esse senhor que já viu mais inflação do que muito economista viu de relatório — declarou com todas as letras:
“O perfil do brasileiro é de um agiota por excelência.”
E antes que algum ultrassensível da Faria Lima desmaie entre uma rodada de valuation e outra, vamos combinar que Barsi não errou na provocação. O brasileiro médio (e o gestor travestido de gênio também) não quer investir, quer multiplicar capital com a mesma rapidez com que multiplica boletos no fim do mês.
O mercado de capitais como arena de apostas com arquibancada de Excel
Sim, eu sei: o mercado financeiro se apresenta como um templo de racionalidade. Mas, cá entre nós, ele se comporta mais como um boteco de esquina em final de campeonato.
As pessoas não estão comprando pedaços de empresas sólidas com visão de crescimento. Estão apostando. É isso. Apostando que alguém mais ansioso vai comprar aquele papel um pouco mais caro antes que o mundo descubra que a empresa não vale nem o cafezinho que serve na reunião do conselho.
É o cassino de sempre, mas com linguagem de auditoria e PowerPoint com gráficos em pizza — de preferência bem gordurosa.
O problema não é a especulação. É a ausência de estrutura
Vamos ser justos: especular faz parte de qualquer mercado saudável. Faz o sangue circular, lubrifica engrenagens. O problema, como bem aponta o mestre Barsi, é quando o mercado inteiro se estrutura em torno da especulação — como se o importante não fosse o que a empresa produz, mas quantas vezes a ação dela pode ser vendida antes do próximo blefe.
E o governo? Bom... o governo, coitado, continua brincando de Lego tributário — montando, desmontando, reformando com as mesmas peças quebradas de sempre. Uma lasca daquela CPMF esquecida, aliada a uma pitada de IOF; um subsídio daqui ou uma taxaçãozinha protecionista dali. Reforma da previdência? Sim! A culpa é, de novo, dos aposentados... Tributação de dividendos? Claro, por que não atacar justamente o único incentivo que existia para o investidor de longo prazo?
É como tentar salvar um afogado atirando-lhe um piano Steinway.
O “colchão de investidores” que ainda dorme em rede na varanda
Nos Estados Unidos, a avó do investidor médio tem ações desde a adolescência. No Brasil, o sujeito descobre a Bolsa no mesmo dia em que baixa um app de day trade e vê um vídeo de “liberdade financeira em 3 cliques”.
É disso que Barsi fala ao defender a criação de um colchão de investidores. Gente comum, com cabeça no lugar, que invista como quem planta: regando, esperando, confiando que raízes profundas produzem frutos mais doces. Aliás isso me lembra, de novo, o livro icônico de Kamou Gedu: "Mansa" (já fiz um post sobre os maravilhos e atemporais ensinamentos de prosperidade do antigo regente do império de Mali, vale a epna conferir e ler o livro se ainda não o leu!)
Mas não. Aqui a gente prefere construir arranha-céus sobre areia movediça — e depois culpar São Pedro pela erosão da carteira.
O estelionato autorizado da locação de ações
Barsi também desce o sarrafo — com a elegância de quem já viu a Bolsa antes mesmo do Ibovespa saber soletrar liquidez — em outro ponto crucial: a locação de ações.
Sim, esse mecanismo supostamente técnico e elegante de “alugar” ações está se tornando o novo golpe autorizado de derretimento de patrimônio. Empresas sólidas têm seus papéis depreciados não por incompetência, mas por ataques especulativos promovidos sob o selo chancelado da própria CVM.
Você leu certo. É um estelionato institucionalizado, travestido de eficiência de mercado.
É a distopia da transparência: tudo às claras, tudo legalizado — e tudo errado.
A ausência de política pública decente para investimentos
Não sou fã de governos — e quem seria, depois de ver cinco moedas morrerem de causas suspeitas? Mas o mestre aponta uma verdade inconveniente: o Brasil nunca estruturou uma política de estímulo ao investimento perene.
Não há incentivo real para que pessoas comuns invistam em boas empresas, com paciência e convicção. Não há educação financeira que funcione fora da retórica dos influenciadores. Não há estabilidade suficiente para confiar que os fundamentos continuarão valendo quando mudar o ministro da Fazenda (ou o humor do centrão).
Investir no Brasil é como ter um casamento estável em um país onde o divórcio pode ser declarado por decreto provisório.
A Bolsa brasileira ainda é um jogo de cena com figurino importado
Sim, temos B3, CVM, fundos, corretoras, lives, podcasts, cursos e e-books com “segredos de quem ganha com dividendos”. Mas, na prática, o investidor brasileiro continua sendo um estrangeiro dentro do próprio mercado.
Estrangeiro, aliás, esse que entra, compra barato, especula em cima da volatilidade gerada por ruídos políticos e depois vaza — deixando o pequeno investidor nacional segurando a vela de uma festa que nunca foi dele.
“O capital estrangeiro não ajuda o país. Ele tira ganhos dos brasileiros”, diz Barsi.
E quando um bilionário fala isso, não é recalque. É realismo.
E ainda há quem pergunte se vale a pena investir no Brasil
Vale, claro que vale. Assim como vale ter filhos, plantar árvores, adotar um gato vira-lata e manter um cacto em casa: requer cuidado, resiliência e uma boa dose de estoicismo.
Não existe país que viva sem empresas perenes — energia, bancos, telecomunicações. Elas estão aí. Produzindo, lucrando, distribuindo dividendos (por enquanto). E continuam sendo oportunidades valiosas, desde que você saiba onde está pisando e não tente correr uma maratona com salto alto e vendada.
Investir no Brasil não é para iniciantes. É para gente com estômago — ou com os dois olhos bem fechados e o espírito afiado. Como é meu caso.
O investidor que não teme o presente, mas despreza o improviso
O verdadeiro investidor — aquele que analisa fundamentos, conhece o setor, entende o negócio e pensa no longo prazo — esse está tranquilo.
Empresas como Banco do Brasil, Eletrobras e Vale continuam apresentando lucros, distribuições consistentes e fundamentos sólidos. O problema é que a cotação segue descolada da realidade. Por quê?
Simples: porque o mercado ainda se comporta como criança mimada. Quer emoção, quer hype, quer foguete. Não aceita que às vezes o melhor investimento vem com cara de tédio.
Quando o valor e o preço jogam esconde-esconde
O valor patrimonial de algumas empresas é superior a sua cotação. Um exemplo recente é da ação do Banco do Brasil. A ação chegou a custar pouco mais da metade do seu valor patrimonmial. Você não leu errado! Nesse caso estamos diante de uma distorção gritante entre valor e preço — uma daquelas situações que, em países com cultura de investimento mais madura, seria considerada uma oportunidade de ouro.
Mas aqui, o que se vê é o oposto: ações subvalorizadas ignoradas por especuladores que preferem promessas quentes a lucros frios.
É como desprezar o restaurante com comida boa e preço justo porque a fachada não tem neon nem uma entrada instagramável.
Conclusão: O Brasil precisa mais de investidores do que de influencers
No fim das contas, precisamos sempre nos balizar nas palavras de mestres veteranos de mercado que já enfrentaram de Sarney ao Real digital — lembrando que, ao fim e ao cabo, a decisão é nossa, de cada investidor e investidora — mas, esse conhecimento gravado em mármore é um apelo à inteligência, à sobriedade e à responsabilidade.
Não é uma crítica ao mercado, mas ao que fizemos dele.
Não é um lamento pela falta de retorno, mas pela falta de visão.
Não é um grito contra o risco, mas contra o improviso irresponsável.
E é nesse ponto que me alinho, sem hesitar, com esse mestre e senhor de voz firme: o Brasil não precisa de mais traders de fim de semana, nem de youtubers que prometem riqueza em sete passos. O Brasil precisa de investidores com coluna vertebral e visão de mundo, mesmo que essa visão, como no meu caso, não dependa dos olhos.
Notas de rodapé:
¹ Dividendos – Parte dos lucros que uma empresa distribui aos seus acionistas. Também conhecido como “rendimento de gente paciente” ou “dinheiro que trabalha enquanto você dorme — se souber escolher bem a empresa”.
² Locação de ações – Mecanismo financeiro que permite que investidores “emprestem” suas ações para que outros vendam no mercado (geralmente apostando na queda do preço). Traduzindo: você aluga seu carro e o inquilino o usa para apostar corrida de demolição.
³ Colchão de investidores – Base sólida de pessoas físicas que investem com regularidade, foco no longo prazo e sem esperar milagres. O equivalente financeiro de um solo fértil, mas que no Brasil ainda se parece mais com terra batida sob temporal.
— Ho-kei Dube
Fonte de inspiração:
Entrevista de Luiz Barsi ao E-Investidor. “Governo nada fez para criar estrutura de investimento, diz Luiz Barsi" por Renato Vieira (17/08/2021)
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