O olho (in)visível do dono: por que a governança importa mais do que o “poder de marca” que você vê no outdoor

Existe um provérbio rural que diz: “é o olho do dono que engorda o gado”. Poético, não? Mas também implacavelmente verdadeiro — e não apenas para o boiadeiro que vigia seus pastos, mas para nós, investidores que, mesmo de longe e muitas vezes no escuro (literal ou figurativamente), precisamos decidir se vale a pena colocar nosso dinheiro ali, naquele rebanho corporativo.

Ah, minha leitora, meu leitor… Como seria bom se o mercado fosse feito apenas de narrativas emocionantes, CEOs inspiradores e slogans minimalistas! Mas não, a realidade do mundo corporativo exige muito mais do que PowerPoints bonitos e campanhas publicitárias com estética de TED Talk. O que realmente importa, o que separa o pasto fértil da terra arrasada, é aquilo que o investidor médio prefere ignorar: a governança.

Governança corporativa: essa palavra pomposa que soa como se fosse privilégio exclusivo de quem usa terno e cita manuais da Harvard Business Review… quando, na verdade, deveria ser o mantra diário até do mais informal dos investidores.

A engrenagem invisível que move — ou trava — a empresa

Governança, meus caros, é aquela estrutura invisível que faz as engrenagens da companhia girarem harmonicamente… ou se esmagarem mutuamente, como dentes de um motor mal ajustado.

Sim, trata-se da capacidade de alinhar os interesses de múltiplos personagens dessa tragicomédia chamada mercado: acionistas, funcionários, clientes, fornecedores, reguladores e, claro, aquela figura sempre presente e raramente considerada — a comunidade.

Cada um quer puxar para o seu lado. O investidor busca retorno, o funcionário busca estabilidade, o cliente quer preço baixo e qualidade, o fornecedor quer prazo curto e pagamento garantido, e a comunidade quer… bem, quer que a empresa não polua o rio e nem exploda o bairro. E o que impede que tudo isso se transforme numa versão financeira de “Guerra Civil”? Exatamente: a governança.

O capital pulverizado: charme ou cilada?

Inspiradas na cultura corporativa americana, onde o modelo de capital disperso reina soberano, muitas empresas brasileiras migraram para esse esquema modernoso: “olhem, não temos controlador, somos livres, abertos, democráticos”. Parece lindo, soa bem, embala bem no roadshow… mas, na prática, funciona?

A resposta curta: às vezes. A resposta longa: raramente como deveria.

Capital disperso pode ser sinal de amadurecimento, de mercado evoluído, de instituições sólidas… ou pode ser um convite à bagunça institucionalizada, onde quem deveria zelar pela perenidade do negócio simplesmente não tem poder — ou não quer ter.

Enquanto isso, você, investidor, iludido pela liquidez aparente e pela estética da modernidade, esquece que quando a vaca vai pro brejo, não há quem puxe pela corda.

Algumas das falhas mais comuns das "corporations" modernas

Vamos tirar o véu e olhar de perto as disfunções — ou, como gosto de chamar, as cicatrizes mal curadas — dessas estruturas supostamente maduras:

1. Acionistas, executivos e conselheiros com síndrome de octópode: todos querendo ocupar espaços que não lhes cabem. O acionista que quer mandar na operação, o executivo que se sente acionista, o conselheiro que age como CEO… Um verdadeiro samba do mercado louco.

2. Falta de convergência de interesses: cada bloco de acionistas jogando seu próprio jogo, sem compromisso algum com a saúde sistêmica da empresa. Resultado? Decisões erráticas, políticas de dividendos ziguezagueantes e estratégias tão volúveis quanto influencers em crise existencial.

3. O pseudo-controlador fantasma: aquele investidor que, sorrateiramente, acumula ações até se tornar um monstro disfarçado de minoritário. Não passa do "gatilho" que obriga a fazer uma OPA, mas já tem poder suficiente para dobrar a empresa conforme suas vontades. É a figura do “controlador de ocasião”, aquele que se esconde atrás do véu do capital pulverizado, mas que, na prática, manda mais do que o CEO.

4. A ausência de uma linha de defesa: quando a especulação ataca ou quando a ação é alugada até quase evaporar, quem defende? Ninguém. E a empresa, que poderia reagir com uma recompra estratégica ou uma comunicação assertiva, simplesmente assiste, passivamente, ao valor de mercado derreter como picolé esquecido no asfalto.

A ausência que pesa: quem segura o leme quando a maré vira?

E aqui chegamos ao ponto que me faz preferir, sempre que possível, investir onde sei que há uma mão firme no leme: o controlador.

Não me entenda mal. Não sou uma saudosista do tempo em que o "barão" dono da empresa decidia tudo no grito e mandava telegramas com ordens inquestionáveis. Não. Mas também não sou ingênua a ponto de acreditar que o mercado, sozinho, com seus comitês, conselhos e relatórios ESG, sempre saberá proteger a companhia nos momentos de crise.

Quando há um bom controlador — ético, alinhado e íntegro — a governança se torna quase natural. A visão de longo prazo impera, o foco nos resultados sustentáveis é real e, principalmente, existe alguém que não pode simplesmente vender tudo e ir embora, como fazem os acionistas pulverizados quando a coisa aperta.

Capital pulverizado não é impedimento, mas é um alerta

Investir em uma empresa de capital disperso? Claro! Não sou radical. Existem boas corporations no Brasil e no mundo. Mas, se me dão a escolha, se me colocam diante da bifurcação entre uma empresa com um controlador que cuida, vigia e protege… e uma empresa largada ao sabor do mercado, minha resposta é clara: prefiro quem olha o gado.

Porque, como bem diz o ditado, é o olho do dono que engorda o boi. Ou, para quem gosta de uma versão mais sofisticada: é a presença responsável e estratégica que evita que a empresa se transforme em um pasto abandonado, consumido por pragas e atravessado por oportunistas de ocasião.

O investidor como guardião da própria carteira

E aqui vem a ironia mais saborosa: enquanto discutimos a necessidade de um controlador para proteger a empresa, esquecemos que, na nossa carteira, esse papel é exclusivamente nosso. Sim, meu caro leitor, minha cara leitora: você é o controlador da sua carteira.

E deveria tratá-la com o mesmo zelo que exige de um CEO ou de um conselho de administração: monitorando riscos, evitando excessos, cortando o que não funciona, cultivando o que prospera. Sem essa de jogar a responsabilidade para o algoritmo da corretora ou para aquele analista de Instagram com três meses de experiência e dez mil seguidores.

Se há algo que aprendi após anos navegando nesse mercado, mesmo sem ver os gráficos e relatórios cheios de cores: os melhores investimentos são aqueles em que há alguém cuidando. De preferência, alguém que se importe de verdade.

E, no final das contas, é sempre assim: quem precisa abrir os olhos é o dinheiro, não eu.

—Ho-kei Dube.

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