O Mistério da Ação Barata: Quando a Paciência Vira Dividendos e o Medo Vira Meme
O ano é 2061, o Cometa Halley está nos visitando, a humanidade já colonizou Marte, a pizza agora vem em cápsulas, os carros flutuam... mas aquela empresa de saneamento segue ali, firme, discreta, pagando dividendos, barata e... R$ 7.
Sim, meu caro leitor, minha cara leitora, enquanto a especulação gira como um carrossel desgovernado e a última criptomoeda meme salta 200% em uma madrugada, a sua pacata empresa de saneamento permanece estática — e absolutamente saudável. Como aquela tia que nunca saiu do bairro, mas que aos 75 anos acumula cinco imóveis alugados e uma conta bancária tão robusta quanto a sua independência.
Por aqui, no universo da renda variável raiz, chamamos isso de: solidez ignorada. O fenômeno é fascinante: empresas essenciais, com resultados consistentes, distribuindo dividendos religiosamente, e que, ainda assim, não entram na “moda”. Não têm a glória de um IPO bombástico, nem os holofotes de uma tech que promete reinventar a roda… só possuem aquele pequeno detalhe: elas dão lucro e pagam bem. Sempre.
Mas, como sabemos, o investidor médio não quer segurança. Ele quer emoção. Quer entrar na festa quando o DJ toca a música do momento, quer um gráfico com linhas ascendentes que pareçam montanhas russas, quer printar a tela para postar no grupo do WhatsApp e, claro, receber comentários como: “monstro!” ou “mito!”. O investidor raiz? Ah, esse está em outra vibe. Ele investe com a paciência de quem planta sobreiro, não hortelã.
O Paradoxo: Barata, Sólida e... Ignorada
Vamos lá: você olha para a sua ação, sempre ali, quieta, abaixo do preço teto, pagando dividendos justos, com múltiplos invejáveis… mas ela não sobe.
O que fazer? O óbvio — e, justamente por isso, o que poucos fazem: seguir comprando.
A empresa está com um P/L de 4,9x, ou seja, quem a compra hoje está pagando por menos de cinco anos de lucro — algo que, em termos de risco, é tão agressivo quanto apostar que o sol vai nascer amanhã.
Seu valor patrimonial? Negociando a menos de 0,8x. Tradução simultânea: se ela fechasse as portas hoje, ainda assim, sobraria valor para quem está nela.
Endividamento? Ridiculamente administrável, com uma dívida líquida/EBITDA de 1,5x. Aquele equilíbrio financeiro que não estampa capas de revistas, mas que faz brilhar os olhos de quem realmente entende o que significa ser sócio — e não apenas apostador — de uma empresa.
E mesmo com esses números todos? Continua barata. Como diria minha avó: “se fosse fácil, não precisava ter juízo”.
O Erro Clássico: Confundir Estagnação com Ineficiência
Aqui mora o engano mais recorrente: olhar o preço parado e deduzir que a empresa está parada. Não, meu bem. Ela segue trabalhando, faturando, lucrando e distribuindo dividendos. Quem está parado — ou melhor, paralisado — é o investidor, refém do fetiche pelas cotações em ascensão instantânea.
Lembre-se: ações são fatias de empresas, não tickets de loteria.
Empresas de saneamento, especialmente as sérias, com bons indicadores de atendimento, perdas na rede controladas e indice de satisfação de clientes e funcionários no primeiro quartil, são como aquele vinho bom: precisam de tempo. São serviços essenciais, com contratos muito longos, receita previsível e barreiras naturais à entrada de concorrentes. O tipo de negócio que não emociona, mas também não decepciona.
Saneamento, então, é o supra-sumo da perenidade: você pode até decidir viver sem WhatsApp, mas nunca sem água e esgoto. Só que, ironicamente, o mercado parece ter mais fé em apps que enviam figurinhas do que em empresas que enviam água tratada.
A Falácia do “Não Anda”
Quem nunca ouviu: “essa ação não anda!”, que atire a primeira planilha.
Pois bem: ela não anda, mas caminha. Passo a passo. Como quem percorre uma maratona, não um sprint.
Enquanto o investidor desesperado observa cotações como quem assiste ao VAR, o investidor previdenciário, aquele que entendeu que dinheiro se multiplica no tempo e não na ansiedade, simplesmente vai lá e compra — aos poucos, com regularidade e sem perder noites de sono.
E, veja, não se trata de negar que o preço atual esteja aquém do desejado. Mas, honestamente, desde quando preço baixo é um problema? O investidor raiz sabe que preço baixo e qualidade são o nirvana dos investimentos.
Preço de mercado abaixo do preço teto? Ora, que mais você poderia querer? Um bilhete dourado para visitar a fábrica de chocolates?
Sobre o Preço Teto: O Limite que Protege da Besteira
Aliás, falemos sobre ele: o preço teto, esse conceito tão negligenciado pelos que preferem operar na base do “achismo”, mas que é a muralha de proteção do investidor previdenciário.
Com base no dividend yield desejado, calculamos o quanto, no máximo, podemos pagar por determinada empresa sem comprometer nossa estratégia.
A fórmula é tão simples quanto elegante:
Preço Teto = Dividendo / Yield Desejado
Se a empresa anunciou um dividendo de R$ 0,50 por ação e você quer um retorno de, digamos, 6% ao ano, seu preço teto é:
0,50 ÷ 0,06 = R$ 8,33
Se ela está a R$ 6,00? Ótimo! Vá às compras com parcimônia e alegria. Está a R$ 9,00? Então, meu bem, exercite sua maior virtude: a paciência.
No caso da nossa querida empresa de saneamento, ela está consistentemente abaixo do preço teto calculado, com um payout saudável e uma previsibilidade de receita que faria até o mais paranoico dos investidores respirar aliviado.
E não precisa ser nenhum prêmio Nobel de Economia para perceber: não faz sentido tentar adivinhar porque ela está barata — apenas aceite e aproveite.
O Risco: Sempre Haverá um “Mas”
Claro, como todo bom investimento, existe risco. Neste caso, o maior deles é político. Empresas de saneamento lidam com um bem essencial, logo, com consumidores que, na prática, são também eleitores. A ingerência política é o fantasma que sempre ronda essas companhias de utilities, ora atrasando reajustes tarifários, ora pressionando por investimentos incompatíveis com a realidade financeira.
Mas, convenhamos: que empresa hoje não carrega algum risco? O segredo é escolher riscos conhecidos e administráveis, não aqueles que surgem do nada e explodem feito bolha de sabão.
A Estratégia: Simples, porém Ignorada
Diante de tudo isso, a estratégia é quase óbvia: comprar aos poucos, de forma constante, reinvestir os dividendos e seguir vivendo.
Deixe os apressados correrem atrás do próximo foguete financeiro. Enquanto eles queimam os neurônios buscando a “próxima Magalu”, você acumula ações de empresas sólidas, que pagam dividendos regulares e, de quebra, ainda proporciona aquele sono tranquilo que nem os melhores fundos imobiliários garantem.
E quando, eventualmente, o mercado perceber que aquela empresa “parada” está, na verdade, gerando caixa, distribuindo dividendos e com uma estrutura invejável… bom, aí sua carteira agradecerá com a elegância de quem nunca duvidou.
O Final: Aceite, Invista e Relaxe
Então, se você está angustiado porque a sua ação de saneamento ainda está no mesmo preço há anos, respire fundo. Vá até a pia, abra a torneira e pense: isso vai continuar existindo, não importa quem esteja no poder ou qual seja a próxima febre do mercado.
E lembre-se: rentabilidade total ao acionista é como um bom café — demora a passar, mas, quando fica pronto, é puro deleite.
No fim, não há mistério. O mercado castiga os impacientes e recompensa os disciplinados. Escolha o seu lado com sabedoria — e, como sempre digo: quem precisa abrir os olhos é o dinheiro, não eu.
Bons investimentos — ou, ao menos, boas decisões.
— Ho-kei Dube
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