Fluxo de Caixa Não Mente. Quem Mente é Você (Ou o EBITDA)
Se você chegou até aqui esperando mais uma receita de “como detectar fraudes e enriquecer antes dos 30”, sinto informar: este post não é sobre ilusão, é sobre realidade — aquela senhora que, mesmo sendo chata, nunca falha.
E a realidade, meu caro leitor, minha cara leitora, é esta: você não vai conseguir identificar uma fraude corporativa antes que ela exploda na sua cara.
“Ah, mas e a análise fundamentalista?”, “E o gráfico tal?”… Não. Não e não. Sinto decepcionar sua esperança romântica de que é possível farejar maracutaias à distância, como se fosse um detetive de filme noir, com uma lupa na mão e uma dose de autoconfiança na outra. Fraude, meu bem, é justamente aquilo que você não vê — ou não quer ver.
Fraude: o invisível com CNPJ
O caso de uma varejista que atuava em todo o território nacional deixou muita gente de queixo caído. Alguns, de portfólio arrebentado. Outros, de moral encolhida. A pergunta mais repetida nos grupos de WhatsApp de investidores foi: “Como eu poderia ter identificado?”
Resposta curta e honesta: não poderia.
Se nem quem trabalha dentro da empresa, vivenciando o cafezinho contaminado de cultura corporativa tóxica, percebeu… você, investidor de sofá, acha mesmo que perceberia?
Humildade é um bom começo. E para quem gosta de dicas práticas, aqui vai a primeira: aceite que você não sabe tudo, nem nunca saberá. Aceite, inclusive, que há muito mais coisas invisíveis do que as que você enxerga — e olhe que quem diz isso é uma mulher que perdeu a visão aos 44 anos e, desde então, vê mais do que muita gente que lê balanços com as duas retinas intactas.
Diversificação: a chata que salva sua carteira
Agora que já destruí suas ilusões de onisciência, vamos à parte útil: o que fazer para minimizar os danos?
Diversifique.
Sim, eu sei, é um conselho tão velho quanto o mercado de capitais, mas continua sendo o mais eficaz. Não se trata de pulverizar seu patrimônio em 50 ativos só para se sentir “diversificado”. Não. A boa e velha diversificação consciente, saudável, que envolve cerca de 10 empresas, é mais do que suficiente para te proteger do apocalipse contábil de uma ou outra.
E, se quiser uma metáfora: diversificação é como manter vários guarda-chuvas em casa. Um ou outro pode ter furo, mas dificilmente todos vão te deixar encharcado.
Perenidade: a elegância de escolher setores que duram
Depois da diversificação, o segundo antídoto contra o fiasco financeiro é concentrar-se em setores perenes. Aqui, sou adepta de um clássico revisitado: Bancos, Energia, Seguros, Telecom, Saneamento e Materiais Essenciais — agora, com honras: celulose, papel, petróleo e minérios.
Ou, se quiserem um acrônimo bem ao estilo Ho-kei Dube: BEST’S ME (Ou a Melhor Sou Eu! – em tradução livre).
Parece nome de boy band, mas é o kit básico de setores resilientes que sustentam economias, não modismos.
O mercado pode oscilar, a política pode estremecer, a inflação pode disparar, mas as pessoas continuarão precisando de conta bancária, luz, água, proteção, conexão e… embalagens para suas compras.
Fluxo de Caixa: o oráculo que ninguém ouve
Chegamos à parte que separa os adultos dos adolescentes financeiros: o fluxo de caixa.
Por que essa insistência? Porque é impressionante como muitos investidores — inclusive aqueles que vivem arrotando EBITDA e ROI — ignoram o óbvio ululante: quem sustenta uma empresa viva é o dinheiro que efetivamente entra no caixa. Não o que está no PowerPoint.
O lucro líquido e o EBITDA são, sim, sedutores. São como aquele amigo espirituoso, que conta piadas, faz você se sentir bem, mas que some na hora de te ajudar na mudança de apartamento.
Já o fluxo de caixa? Ah… esse é o amigo que aparece com a pick-up, a corda, os braços fortes e, claro, a disposição para carregar a sua geladeira de 300 quilos até o quinto andar. Sem elevador.
Regime de competência x regime de caixa: a diferença que faliu muita gente
No regime de competência, a empresa lança como receita até o fiado da venda que vai receber em 90 dias. Já no regime de caixa, só entra o que caiu na conta — o que pagou boleto e salário, o que comprou papel higiênico para o banheiro da firma.
E, veja, querido leitor, empresas não quebram por falta de lucro. Quebram por falta de caixa.
Exemplo clássico: uma construtora de imóveis residenciais e comerciais. Dava lucro, mas quebrou. Por quê? Porque o lucro era miragem contábil, enquanto o caixa se esvaía como água em peneira.
O fluxo não mente. Já o lucro…
O lucro é um dado de intenção. O caixa é um dado de realidade.
Por isso, quando você olha para os indicadores de uma empresa, não se apaixone pelos números pomposos do lucro líquido e do EBITDA. Olhe para o FCO (Fluxo de Caixa Operacional), o FCI (Fluxo de Caixa de Investimentos), o FCF (Fluxo de Caixa de Financiamentos) e, principalmente, o FCL (Fluxo de Caixa Livre).
O FCL — que é FCO + FCI — mostra o que realmente sobrou para a empresa, depois de ela pagar as contas e investir no que precisava.
Se o FCL é negativo… fuja. Como quem foge de convite para esquema de pirâmide.
O caso da varejista: o exemplo que virou aula
Para quem ainda acha que lucro significa saúde financeira, a história dessa grande varejista nacional é uma lição inesquecível:
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EBITDA positivo? Sempre.
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Fluxo de Caixa Livre? Quase sempre negativo.
A receita de um desastre anunciado.
Na última década, a empresa apresentou EBITDA consistentemente positivo, com direito a gráficos bonitos e relatórios entusiasmados. Mas, no caixa… um buraco negro.
Só para ter uma ideia: já vi – mesmo sem enxergar – essa empresa com o FCL em -5,5 bilhões num único ano!
E o FCF Yield? Negativo também. Ou seja, cada ação queimava caixa em vez de gerar valor.
Enquanto isso, a margem EBITDA de 11% seguia enganando incautos que olham apenas para esse número, como quem escolhe apartamento olhando só a fachada, sem perguntar se o encanamento presta.
Fluxo de caixa não mente. EBITDA sim.
E o FCF Yield? Ah… esse merece um parágrafo à parte.
O FCF Yield, ou Free Cash Flow Yield, é o fluxo de caixa livre gerado por ação dividido pelo preço da ação. Em português claro: quanto de caixa livre a empresa gera para cada real investido na sua ação.
Se o FCF Yield está negativo? Significa que a empresa não só não está gerando caixa, como também está queimando valor.
É como comprar uma fábrica que, além de não fabricar, ainda consome o estoque.
A arrogância de quem acha que fraude é óbvia
O problema do investidor médio é a soberba. Acredita que consegue perceber sinais ocultos, farejar inconsistências, antecipar movimentos — quando, na verdade, está tão despreparado quanto o turista que desembarca em Moscou apenas com um dicionário surrado de esperanto e sem falar uma palavra de russo.
A fraude, meus caros, é por definição aquilo que não se vê. Não adianta fingir que você vai escapar dela só porque “está atento”.
A humildade de quem se protege
Por isso, repito: humildade e método.
✅ Diversifique.
✅ BEST'S ME: Escolha setores perenes: Bancos, Energia, Seguros, Telecom, Saneamento e Materiais Essenciais.
✅ E, acima de tudo, vigie o fluxo de caixa como quem vigia o movimento suspeito do vizinho.
Porque, no fim das contas, o caixa não mente. O lucro, o relatório, a apresentação aos investidores… todos podem mentir. O caixa, não.
E se você entendeu isso, parabéns: está mais perto de ser um investidor maduro — ou, ao menos, um investidor que não será enganado por quem transforma EBITDA em cortina de fumaça.
Afinal, como eu sempre digo: “o dinheiro pode até ser cego… mas quem não pode ser somos nós.”
Bons investimentos — ou, no mínimo, boas decisões.
— Ho-kei Dube
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