Executivos Ricos, Acionistas Pobres: A Trágica Ópera das Bolsas

Dizem que o mercado de ações é um teatro.
Eu discordo: teatro tem roteiro. O mercado, meus caros, é mais próximo de uma ópera improvisada, com heróis, vilões e, claro, vítimas inocentes – quase sempre, investidores minoritários que compraram ingressos esperando um espetáculo sério e acabaram assistindo a uma tragicomédia.

Compartilho três fábulas, nada edificantes, que me lembraram disso. É uma ficção, e como toda boa ficção parece real. Fiquem comigo, o veneno vem refinado.

Primeiro Ato: O Pet do Controlador

Comecemos com a fábula de um visionário e cofundador de uma grande rede varejista que se dizia pet-friendly, cujo Executivo-chefe — também conhecido como CEO — resolveu vender uma parcela expressiva de suas ações, alegando “necessidade de liquidez pessoal”. Ah, a liquidez… A justificativa clássica para um CEO colocar milhões no bolso e deixar investidores com aquela expressão de quem perdeu o cachorro – literalmente, neste caso hipotético.

É claro que o controlador pode vender ações. É direito dele, ora! Mas não posso deixar de notar o requinte de hipocrisia em alguém dizer que acredita no potencial do negócio enquanto corre para realizar lucro. É como o padeiro que elogia o próprio pão, mas prefere comer torrada industrializada no café da manhã.

Segundo Ato: O Relatório Épico da Xô-xô

Passemos agora à segunda ópera-bufa: uma empresa dita de tecnologia moderninha, que resolveu inovar não apenas na comunicação com investidores, mas também no conceito — ou seria delírio? — de remuneração executiva. Batizemo-la, com o afeto de quem observa tragédias de camarote, de “Xô-xô”.

Num rasgo de criatividade infeliz, a companhia decidiu que seria genial apresentar seu relatório anual escrito por Inteligência Artificial, como se fosse uma epopeia ditada por um Homero digital em crise existencial. O resultado? Um documento de aparência nobre, cheio de metáforas solenes, que faria Machado tossir o charuto e Drummond rasgar o bigode. Informação gerencial travestida de teatro simbolista — belo para os olhos cansados, inútil para a conta bancária.

E, apesar dos resultados mais trôpegos que peça de sarau escolar, os executivos da “Xô-xô” brindaram-se com bônus obscenos. Imaginem a cena: a empresa afundando como um transatlântico kitsch, mas os capitães, de taça em punho, celebrando na proa iluminada, enquanto investidores remam em botes furados. Tragédia e comédia no mesmo ingresso, pago, claro, pelos minoritários.

Terceiro Ato: O Herdeiro com Rei na Barriga

Chegamos ao terceiro ato, onde a trama beira o surrealismo. Um empresário da terceira geração — herdeiro de herdeiros — que comandava uma plantação incomum (daquelas culturas pitorescas que garantiam margens invejáveis), simplesmente não se conformava em ver seu negócio crescer a “míseros” 20% ao ano. Para os leitores atentos: pasmem, 20% ao ano foi, em média, a performance espetacular do sr. Warren Buffett, o oráculo da paciência.

Mas o nosso inconformado personagem não queria ser paciente. Resolveu “tirar o atraso” e dar saltos maiores que as próprias pernas. Não bastava plantar, colher e lucrar. Era preciso ousar, reinventar o épico: decidiu perfurar petróleo em suas terras — detalhe singelo, não entendia absolutamente nada de petróleo, tampouco de perfuração.

E como a ignorância costuma andar de mãos dadas com a audácia, veio a jogada: com lucros vultosos acumulados ao longo de anos nas suas empresas controladas - e diga-se de passagem listadas na Bolsa -, comprou uma participação minoritária numa petroleira de ambições cósmicas, que anunciava planos de explorar petróleo… em Marte. Sim, Marte. Porque, claro, se é para delirar, que seja em escala planetária.

Resultado: a ousadia marciana virou pó cósmico, o capital evaporou mais depressa que gasolina em asfalto escaldante, e as empresas do herdeiro foram obrigadas a vender parte das joias originais da família — a plantação herdada, símbolo de raiz e permanência — para tapar o buraco. Mas buraco não se tapa com folha de bananeira: além de liquidar quase tudo para um investidor estrangeiro, o rapaz teve de recorrer a uma emissão de ações que, em vez de salvá-lo, lhe roubou o palco. O novo sócio majoritário assumiu o volante com a naturalidade de quem não conhece o caminho, mas comprou o carro inteiro. Os minoritários, por sua vez, ficaram diluídos como café ralo de rodoviária — aquele que nem desperta, nem consola. Ao nosso protagonista restou um troféu irônico: o título decorativo de “controlador vitalício”, sem poder para controlar sequer a prateleira da copa onde se guardam os copos lascados do escritório.

É a clássica fábula do herdeiro com rei na barriga que, ao dar com os burros n’água, descobre tarde demais que o trono era alugado e que as coroas de papelão não resistem à primeira chuva de dívidas.

Cortina Final

Isso me lembra uma expressão popular: “Casa onde falta pão, todos brigam e ninguém tem razão”. No universo das ações, quando falta pão, atenção às diretorias que pedem croissants importados — e a conta vai direto para os minoritários. Executivos ricos e acionistas pobres. Eis a dicotomia contemporânea.

Num mundo justo, todos celebrariam juntos o sucesso ou suportariam unidos os tempos difíceis. Mas a bolsa não é justa, nem razoável — é uma diva temperamental que dança tango, fado ou samba, sem se importar se os investidores sabem o passo.

A lição é tão antiga quanto negligenciada: cuidado com empresas que se vendem como vitrines de virtude, com relatórios que se passam por epopeias e com herdeiros que confundem império agrícola com plataforma espacial. O verniz pode até encantar plateias apressadas, mas não resiste ao atrito do tempo. A verdadeira elegância financeira não mora em bônus conversíveis, slogans revolucionários ou devaneios interplanetários. Tampouco no “espírito de porco” que contamina certos “espíritos de dono”. Ela se revela, ainda e sempre, no que não precisa de maquiagem: governança sólida, transparência inegociável e coerência entre discurso e prática.

No fim, lembre-se: o mercado é palco cheio de atos dramáticos. Uns terminam em aplausos e dividendos, outros em vaias e prejuízos. Escolha com cuidado o ingresso antes de sentar na plateia.

Ou, melhor dizendo, antes de comprar suas ações.

Como eu sempre digo, com minha ironia cega, mas lúcida:

“O dinheiro pode até ser cego… mas você, caro leitor, não pode se dar a esse luxo.”

– Ho-kei Dube

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