Dividendos cancelados: ou o dia em que o mercado financeiro descobriu que Papai Noel não existe

 Ah, os dividendos… esses doces e reluzentes presentes que investidores aguardam com ansiedade infantil. Não há nada mais sedutor do que abrir seu extrato bancário e ver cair ali aquela pequena recompensa, uma espécie de afago financeiro, como se o mercado dissesse: “Muito bem, você fez a lição de casa e merece um mimo”.

Por isso, nada mais triste do que descobrir que aquele presente, anunciado com pompa e circunstância, simplesmente não virá. Sim, caro leitor, hoje falaremos desse drama: dividendos prometidos e cancelados. Um choque tão grande quanto descobrir, aos oito anos de idade, que Papai Noel é, na verdade, aquele seu tio barrigudo e suado vestido de vermelho.

O maravilhoso mundo das promessas vazias

Me lembrei de um fato marcante ao rever meu diário de investimentos  sim queridos, eu sou daquelas que tenho um diário, mas de investimentos, onde anoto minhas ordens de compra/venda, minhas decisões, meus sonhos e desilusões, afinal sou humana, mesmo sendo incrivelmente ácida e sagaz. Anos atrás os grupos de WhatsApp de investidores viveram um daqueles pânicos coletivos típicos de quem esqueceu que investir não é uma promessa divina, mas uma operação sujeita às intempéries do mercado.

Uma companhia — que, por piedade, chamarei aqui de Companhia dos Sonhos Partidos (CSP, para os íntimos) — anunciou o cancelamento de dividendos declarados com toda pompa e garantidos, teoricamente, com sangue, suor e lágrimas dos acionistas esperançosos. O escândalo foi tamanho que o barulho nas redes poderia ser confundido com o ruído das carpideiras em velórios mediterrâneos.

"Como assim cancelar dividendos já garantidos? Que ultraje!", bradaram investidores indignados, esquecendo convenientemente que, no mundo real das finanças, garantias são como amores de verão: intensos, passageiros e frequentemente decepcionantes.

Lucro imaginário não paga dividendos reais

Primeira lição, meus caros: dividendos não brotam em árvores e nem caem do céu como chuva benfazeja. Eles vêm de algo muito menos poético: lucro real. E o lucro real, por sua vez, tem um defeito terrível — ele precisa existir.

Existem, basicamente, dois tipos de empresas que não pagam dividendos:

  • As que não querem pagar (tipo aquele tio pão-duro que esquece a carteira em casa);

  • As que não podem pagar (tipo aquele seu amigo desempregado que realmente gostaria, mas não tem como dividir a conta do restaurante).

A CSP pertence a esse segundo grupo. E vejam bem: não é crueldade, nem má-fé. É a realidade batendo à porta, uma visita inconveniente que chega sem avisar e fica tempo demais, devorando seu estoque de paciência e bom humor.

Dividendos não são direitos divinos

Em finanças, há uma linha fina entre promessa e obrigação. Dividendos mínimos obrigatórios são registrados como passivos no balanço da empresa, uma dívida formal, mais sólida do que a promessa daquela sua prima de "vamos marcar algo em breve".

Já os dividendos adicionais são mais parecidos com aquela promessa de fim de ano: “Ano que vem vou frequentar a academia todos os dias!”. São registrados como uma "proposta de distribuição" no patrimônio líquido. Traduzindo: são intenções bonitas, bem-intencionadas, mas que podem desaparecer com a velocidade de um tweet infeliz.

Portanto, sim, a CSP estava no seu direito — ainda que doloroso para o investidor — de usar essa reserva para absorver prejuízos, como um náufrago que usa a madeira da balsa para alimentar uma fogueira. É triste, mas é sobrevivência pura e simples.

A sedução perigosa das manchetes financeiras

Aqui mora outro vilão clássico: as notícias financeiras. Nada viraliza mais rápido nos grupos de investidores do que manchetes bombásticas:

  • “Dividendos históricos anunciados!”

  • “Dividendos cancelados inesperadamente!”

  • “Empresa X promete distribuir mais dividendos do que o PIB de um país pequeno!”

O investidor médio, preso nessa roda gigante emocional, oscila entre a euforia das promessas e o desespero das decepções. As notícias financeiras são os verdadeiros "cliques" da bolsa — rápidas, provocantes, cheias de exageros, e, infelizmente, pouco comprometidas com a nuance e o contexto.

Por isso, nunca é demais lembrar: notícia não é estratégia de investimento. Se sua carteira muda mais rápido do que os trends do X/Twitter, talvez o problema não esteja nas empresas, mas na sua capacidade de gerir expectativas.

O encanto superficial do EBITDA

Aliás, vamos falar sobre outro personagem nessa fábula: o EBITDA. Ah, o EBITDA, essa criatura sedutora que fascina investidores com números exuberantes e gráficos ascendentes.

Mas como sempre digo, EBITDA é aquele seu amigo charmoso e falante que promete te ajudar na mudança e desaparece misteriosamente na hora de carregar o sofá de três lugares. Lucro ajustado é bonito no papel, mas é o fluxo de caixa que realmente importa. E fluxo de caixa não mente.

Uma empresa pode mostrar um EBITDA sedutor e, ainda assim, não ter caixa real para pagar dividendos. É o equivalente financeiro àquele seu conhecido que posta fotos maravilhosas de férias na Europa enquanto o cartão de crédito está explodindo silenciosamente nos bastidores.

Lições inconvenientes para investidores maduros

Portanto, antes de amaldiçoar a CSP ou qualquer outra empresa por não pagar os dividendos prometidos, lembre-se:

  • Dividendos vêm de lucro real, não de lucro ajustado ou prometido.

  • Empresas têm o direito (e o dever) de proteger a própria sobrevivência financeira, mesmo que isso frustre seus sonhos imediatos de retorno.

  • Sua estratégia financeira não pode depender de dividendos milagrosos nem de promessas sedutoras.

A ironia final: a maturidade financeira está em aceitar desilusões

Se você ficou indignado, revoltado ou profundamente triste com o cancelamento dos dividendos da CSP, talvez seja hora de refletir sobre o nível de fantasia na sua estratégia de investimentos.

A verdadeira maturidade financeira está justamente em aceitar que o mercado não é uma máquina de desejos, mas um organismo complexo, cheio de imperfeições, surpresas e frustrações.

Em outras palavras, investir não é uma festa surpresa organizada especialmente para você. Às vezes, a festa é cancelada, o bolo queima, ou o DJ não aparece. E está tudo bem.

Porque a sua tranquilidade financeira não pode depender de um único evento ou de uma única empresa. Sua carteira deve ser robusta o suficiente para suportar essas oscilações.

Como eu sempre digo, caros leitores: o dinheiro pode até ser cego, mas quem não pode ser somos nós.

Portanto, respire fundo, aceite a realidade e continue investindo com lucidez. Afinal, como em todas as relações, nem tudo são flores. Às vezes, são apenas dividendos cancelados.

— Ho-kei Dube

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