A Arte da Negociação (Ou Como Ensinar Estratégia com Uma Bengala, Um Café Frio e a Lógica Russa)

 O telefone tocou justo quando eu estava prestes a aproveitar meu último gole de café – aquele momento sagrado que, para qualquer professora universitária cega (e com senso de humor), equivale à iluminação mística. Atendi, claro, já prevendo o tipo de cilada revestida de gentileza que só alunos em apuros sabem entregar.

— Professora, me desculpe por incomodar… é que estou montando meu TCC e pensei em fazer algo sobre a arte da negociação. Tipo assim… inspirada no Putin.

Silêncio.

Não o silêncio respeitoso. O silêncio de quem largou um sapo na sala e agora espera que a professora o acaricie. Respirei fundo.

— Querido, você quer inspiração em Vladimir Putin? O homem que transforma uma ligação de paz em prévia de guerra? Aquele que acorda com cara de tratado e dorme com tanques na fronteira?

Ele murmurou algo sobre “estratégias fortes” e “jogos de poder”, e eu, que além de cega sou teimosa, decidi que esse era o dia perfeito para ensinar negociação no estilo russo-nouveau — que de “nouveau” só tem o nome, porque de novo mesmo, só o meu corte de cabelo.

Como professora de negócios — que entende como poucas as relações internacionais — aprendi que não preciso ver o interlocutor para sentir cheiro de blefe. E Putin? Ah, meu bem, ele é o showroom dos blefes diplomáticos.

Decidi começar a aula contando a última das maravilhas contemporâneas: o telefonema entre Trump e Putin. Duas horas. Duas horas! Eles disseram que “não queriam desligar”. Uma fofura. Só faltou combinarem pijama e chocolate quente.

— Imaginem, turma, uma ligação entre dois senhores de ego hipertrofiado, tratando a Ucrânia como se fosse peça de xadrez. Uma ligação de paz entre quem lucra com o prolongamento da guerra. Isso, meus queridos, é o que eu chamo de “cordialidade atômica”.

A turma riu. Não porque era piada. Riu porque riu nervosa — do tipo que ainda acredita que negociação se resolve com flores e powerpoints.

— Vamos ao modelo russo de negociação. Anotem aí: primeiro passo — exija o impossível.

Falei com meu tom de “sabedoria ancestral que nem mesmo a cegueira apaga”. O aluno lá do fundo perguntou:

— Mas, professora, isso não é contraproducente?

— Claro que é! Mas quem disse que o objetivo é ser produtivo? Os russos não negociam para resolver — negociam para controlar o tempo. Eles jogam xadrez em tabuleiro de gelo derretendo. E, adivinhem, sempre esperam que o adversário escorregue primeiro.

Pausa dramática. Ouvi até o clique da caneta de uma aluna ali na segunda fileira.

— Segundo passo: ameace com um apocalipse. Se possível, um inverno nuclear. Nada aquece mais as negociações do que a ideia de congelarmos todos na radiação poética do fim do mundo.

— Professora, isso não é exagero?

— Exagero? Querido, exagero é o nome do meio da diplomacia russa. Eles não te dão um não. Eles te dão um “Niet” com três camadas de gelo por cima e ainda dizem que é por sua segurança.

Interrompi a aula para ajustar a tela do meu leitor de voz, que insistia em me narrar o menu do refeitório da universidade. Como sempre, as opções do dia estavam mais previsíveis que os tratados de paz do Kremlin.

— E agora o terceiro passo: nunca ceda. Porque sempre vai ter um ocidental bonzinho que oferece a metade do que você pediu, achando que é um grande negociador.

Lembrei dos tratados SALT, START, e de todas as vezes que os soviéticos empacaram acordos em detalhes tão irrelevantes quanto aquele tio que acha que o churrasco da família é o G7.

Minha aluna de cabelos coloridos, sempre inquieta, levantou a mão:

— Mas professora… essa lógica não é manipuladora?

— É, sim. E eficaz. Quem disse que o objetivo da negociação é ser justa? Para Moscou, negociação é um tabuleiro de sobrevivência. E, se você acha que está jogando dama, já perdeu.

Ela riu. Riu aquele riso desconfortável de quem acabou de entender que o mundo não é uma tese bem estruturada com revisão bibliográfica.

— O quarto princípio: desconfiança estrutural. Russos não assinam tratados. Eles encenam tratados. Um documento, para eles, é uma moldura de vantagem temporária. Enquanto o Ocidente assina com caneta, Moscou assina com lápis... e uma borracha escondida na manga.

O aluno do fundo tossiu. Reconheci o som de incredulidade.

— Professora, não é meio… pessimista?

— Ah, querido. Eu perdi a visão, não a lucidez. A arte da negociação estilo russo-nouveau é como entrar numa sauna gelada: você sai de lá suando, mas sem saber se sobreviveu.

A aula terminou com a sensação de que eu havia servido borscht emocional com toque de vodka crítica.

Antes que saíssem, deixei minha cereja do bolo:

— “O que é meu é meu. O que é seu, é negociável.” Essa é a máxima de Gromyko, o lendário Mr. Niet. Guardem isso. Serve para tratados internacionais, para fusões e aquisições, para negociações salariais, para discutir herança com parentes distantes… e, claro, para o mundo dos investimentos.

Alguns anotaram. Outros sorriram. E um, mais ousado, me perguntou:

— Professora, e o que a senhora faz quando precisa negociar algo importante?

Ah, a deixa perfeita.

— Eu peço café com firmeza, insisto três vezes, e só assino o recibo quando o açúcar vem do jeito que gosto. A diplomacia começa na cafeteria, meu caro. E Putin que se cuide: eu posso não enxergar a xícara, mas sei exatamente quando estão tentando me vender chá russo com gosto de golpe.

Saí da sala com minha bengala batendo compassadamente, enquanto os alunos ainda digeriam a ideia de que negócios são, no fundo, um teatro — onde alguns atuam, e outros assistem acreditando ser protagonistas.

Eu? Eu sigo de olhos fechados, mas vendo tudo. Inclusive quando fingem que é negociação… mas é só ameaça com sotaque.

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E para quem quiser se aprofundar seriamente (ou com mais gelo) na estratégia russa, recomendo fortemente a leitura do artigo de Rodrigo da Silva no Estadão: “O que Vladimir Putin tem a ensinar sobre a ‘Arte da Negociação’”.

Leitura indispensável para quem quer entender como se negocia no Clube do Urso Polar, onde os sorrisos são frios, as concessões são glaciais, e o tempo sempre joga a favor de quem não derrete.

O link está aqui: Estadão – O que Vladimir Putin tem a ensinar sobre a ‘Arte da Negociação’.

E lembrem-se: no mundo dos negócios, como na política, quem não entende o jogo das negociações… acaba sendo peça.

Até a próxima,
Professora Cega, mas que vê bem o que muitos ignoram.

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